Clássico | O Resgate do Soldado Ryan
Poucas coisas na vida são certas. O nascimento. A morte. Pelé é melhor que Maradona. Steven Spielberg e Tom Hanks vão fazer um filme bom.
Ah, a amizade. De todas suas mais impressionantes qualidades, talvez a mais inacreditável seja sua capacidade de florescer em meio ao ambiente mais hostil. Em "O Resgate do Soldado Ryan", vemos uma história de devoção e determinação, capaz de mostrar a parte mais esperançosa e puramente bonita do ser humano em meio à atitude mais destrutiva que o mesmo pode oferecer.
Nela, a equipe do Capitão Miller tem de resgatar um soldado, Ryan, em meio à campanhas norte-americanas na região de Normandy, na França, durante a segunda guerra mundial.
Chame de patriotismo americano o quanto quiser - afinal, é isso que move a safra anual de filmes de guerra vinda do país -, mas este é um daqueles casos que pode, talvez, te convencer que nem tudo que vem da guerra é ruim, que as motivações de cada um daqueles homens é singular e que partes genuinamente boas podem vir a tona durante a guerra. Spielberg faz isso muito bem, mas não tem intenção nenhuma em mascarar os horrores vividos e em mostrar como vidas tão significativas podem desaparecer a qualquer momento.
Ele não mede esforços em tornar a experiência intensa e aprazível, mas em momento algum nos deixa esquecer que estamos assistindo a um filme de um dos diretores mais otimistas de todos os tempos. Todas as cenas de guerra, apesar de extremamente realistas - mostrando uma violência abrupta e ignorante de sentimentos e adeuses prolongados que marcou época e injetou vida no gênero - possuem um trato visual que não nos deixa sentir o peso total do filme. É quase como se esse peso fosse puxado para seus atores, que tem o difícil trabalho de encontrar duas personas distintas para exercer seus papéis da forma certa.
Muitos veteranos de guerra chamam "O Resgate do Soldado Ryan" de o mais próximo da brutal realidade de um combate que já assistiram.
Talvez não seja preciso dizer que Tom Hanks faz isso parecer fácil. O compromisso dele com qualquer papel, desde suas vitórias Acadêmicas em "Philadelphia" e "Forrest Gump", à seu excelente e icônico trabalho de voz cada "Toy Story", ao mais despretensioso e leve "O Terminal". Hanks está sempre determinado em fazer o melhor com seus papéis. Como capitão Miller, cada grama de determinação está presente, assim como a todo momento uma força tenta puxá-lo de volta para sua casa e família e Hanks consegue expressar isso da forma mais natural e contida possível. Não precisa ser detalhista para perceber seu talento, mas a verdadeira magnitude de cada um de seus melhores trabalhos só pode ser compreendida se observada a fundo.
O elenco de apoio está bem, também. Alguns engraçados, outros pesarosos, um deles o Vin Diesel, outro Matt Damon fazendo um de seus primeiros filmes onde precisaria ser salvo. Porém o que realmente faz o longa andar é o conjunto, orquestrado da melhor forma por Spielberg, que sabe dar a cada um seu devido espaço para que nos importemos o suficiente para temermos por suas vidas e, é claro, para que o tom não se torne pesado em excesso. Quando um deles morre se passa pouco tempo de luto, tanto seus companheiros como nós próprios, mas não é algo desrespeitoso, e sim o efeito da guerra na psique humana, pois literalmente não há tempo para se lamentar.
É claro, é um filme americano que ignora certos aspectos históricos, mas isso é algo tão comum no gênero que é quase inexpressivo. Diversos dos combates mostrados, inclusive, são considerados representações quase exatas dos acontecimentos reais, tudo graças a produção minuciosamente calculada de Spielberg, que se preocupou em recriar os cenários e as situações em que os personagens se encontram da melhor forma possível.
Todos os elementos aqui convergem para apresentar um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos. É realista, impactante e tecnicamente impecável, mesmo 20 anos após seu lançamento. Mais do que isso, consegue nos fazer sentir pelo que acontece, mesmo com estes eventos acontecendo na primeira metade do século passado.