Crítica | Chance The Rapper - Coloring Book

Lembro da primeira vez que ouvi "Coloring Book". O buzz era gigantesco após um certo verso em uma certa música de Kanye West. Lembro que minha primeira ação foi arregalar os olhos. 

Por muito nos preocupamos com o novo Tupac, o novo Biggie, o novo Jigga, até que Kendrick chegou para cumprir boa parte do vazio. Marvin Gaye se foi há muito tempo, mas agora temos Frank Ocean. Beyoncé é tão grande como qualquer artista feminina no passado. Nunca teremos um novo Michael Jackson, mas dentre todos que já apareceram, The Weeknd e Justin Timberlake parecem as melhores tentativas até agora.

Mas faltava alguém. Quem substituiria o artista mais polêmico, divertido, interessante, amado, odiado, genial e influente dessa geração. Quem pode vir a substituir Kanye West, em toda sua grandiosidade e irreverência? Afinal ele já tem 38 anos, seis outros amores (Kim, North, Saint, Chicago a moda e seu twitter) e o tempo de estúdio cada vez diminui mais. Com "Pablo" ele provou que ainda é um dos melhores se não o melhor artista do mundo, mas o tempo está ai. 

Chance ainda não tem muitas das características listadas a cima. É jovem, e tudo ainda pode mudar nos anos a seguir. Mas nesse post falamos de talento, de qualidade musical e de potencial. 

 A voz já é quase idêntica. Se colocar "Ultralight Beam" e "All We Got" uma depois da outra é impossível descobrir quem é quem. Ele não tem interesse em falar sobre drogas, gangues e ruas em seu terceiro álbum, diferente de ''10 Day'' e ''Acid Rap'', e sim sobre a mesma interpessoalidade dentro da sociedade que consagrou Kanye anos atrás. A religiosidade parece o ponto central de sua carreira e apesar de ele não cuspir raiva e ousadia, suas rimas emocionais já são afiadas o suficiente. Tudo que Chance é deve-se muito a seu mentor e sua habilidade em injetar tudo falado nesse parágrafo no gênero ao longo desses doze anos. Mas, ainda sim, é como se Chance não deixasse de ser quase  tão inovador. E ah, ele também é de Chicago.

A mesma ''All We Got'' começa ''Coloring Book'' injetando uma euforia contagiante que só a voz e o flow de Chance conseguem proporcionar atualmente no Rap. É quase como um envolto de felicidade que te abraça e te envolve até culminar em sua declaração, que ecoa mais verdadeira a cada vez que cantamos o refrão:

They don't give nothing away
You gotta fight for your way
And that don't take nothing away
Cause at the end of the day

Music is all we got

Tal energia que parece imparável só cresce e é levada ao ápice, seu primeiro grande hit, ''No Problem''. O incrível é que, na realidade, "No Problem" é uma ameaça às grandes gravadores e executivos, que por sua vez ameaçam e controlam a independência da música, mas em momento algum a faixa deixa de ser contagiosamente feliz. Chance almeja e luta pela liberdade dos artistas em relação a suas músicas e que o mundo tenha elas de forma gratuita, e aqui, mais que uma exclamação, é a consolidação que ele não pode ser parado.

Mas sua principal virtude está em uma introspectividade tão sincera que chega a ser escancarada. ''Summer Friends'', ''Juke Jam'' e ''Same Drugs'' trazem versos, convidados e produções leves, mas tão poderosas como poucas coisas vistas nessa década. É uma energia compartilhada que te envolve, te lembra daquela garota, daquela experiência, daquela festa em especial. A última música em questão, que passa longe de falar sobre drogas, é uma alegoria extremamente inocente e sincera onde Chance se apropria um pouco da história de Peter Pan para contar sobre uma história de amor do passado.

Ele pode brincar de Rapper puro também, e mostra que não é avesso ao que se ouve nas rádios. Outra grande característica de Kanye West, Chance consegue, com naturalidade, jogar o mesmo jogo de seus contemporâneos, mesmo que ela não seja o motivo de "Coloring Book" ser tão bom. ''Mixtape'' e ''Angels'' não fogem muito das produções trap, a primeira ainda mais que a segunda, sendo o único ponto que destoa da mixtape, mesmo que a faixa em si seja eficiente. "Smoke Break" empresta muito de Future, que por sua vez empresta um verso a faixa, e também funciona, já "How Great" tem uma primeira metade cantada em coro gospel um tanto alongada, mesmo que o verso final de Chance valha a pena.

É quando ele encara territórios diferentes que "Coloring Book" vai mais alto. "All Night" tem uma pegada world music maravilhosa e "Blessings" e sua reprise tem o poder de convencer os mais céticos ouvidos a reconsiderar sua religiosidade, mesmo que por alguns minutos. A ternura e a vulnerabilidade com que ele fala sobre sua fé (se juntando aos vocais de Jamilla Woods em ''Blessings'' e Ty Dolla $ign, Raury, Anderson .PAAK, BJ the Chicago Kid em sua reprise) são como ir à igreja no domingo, e suas letras, além de pura poesia, são as mais lindas preces.

Um dos melhores momentos vem justamente no final, "Finish Line/Drown" é quase um resumo de toda a viagem cheia de cores que presenciamos durante a mixtape. Começando com um cantarolar de Chance a faixa se desenvolve em uma intensa e esperançosa mensagem de  agradecimento e reconhecimento de toda a jornada traçada até aqui. 

Não é um álbum perfeito, mas muito menos um que possua erros de verdade. É mais como se coisas pudessem ser feitas para aumentar ainda mais seu valor e não foram. Mas hey, é uma Mixtape e não um álbum, é o que nos fala Chance, mesmo que não queiramos acreditar. Ele não rima de graça e sim por liberdade, ele acredita no reino e não nos reis, mesmo que eventualmente se torne um, e ele parece realmente ciente disso e estará pronto quando a hora chegar.

Chance é jovem e tem muito tempo para colorir o mundo à sua maneira. E sim, ele vai fazer isso no seu tempo e do seu jeito, e isso é o que torna essa história ainda sendo escrita, na verdade colorida, ainda mais bonita. "When the praises go up, the blessings come down" dessa vez elas realmente vieram, e na hora certa. 

9,5

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