Crítica | Top Gun: Maverick
entre a renovação e a reverência
Em Top Gun: Maverick, Tom Cruise olha para o passado e aceita o futuro… enquanto reconhece que está além de ambos
Alguém apontou em uma crítica que li por aí que, em 1986, Tom Cruise podia ser uma sensação, mas ainda não era Tom Cruise.
Desde lá, foram bilhões em bilheteria e filmes que lhe tornaram um marco por praticamente quatro décadas, segurando hoje o posto de último grande astro do Cinema Mundial. Qualquer dúvida quanto a isso, sanada com o sucesso absoluto de Maverick nas bilheterias.
Curioso que, em 2008, um outro filme sobre velocidade (Speed Racer) perdeu na corrida para o realismo de O Cavaleiro das Trevas e o realismo fajuto de Homem de Ferro, começando ali uma das eras mais sem imaginação da história dos Blockbusters. Um legítimo copia e cola manufaturado para vender o próximo copia e cola, que resultou em filmes em tese diferentes - ao menos com cores diferentes -, mas sem almas próprias.
Já entre 2021 e 2022, as irmãs Wachowski (diretoras do Speed Racer) voltaram com seu Matrix Ressureição, reascendendo a esperança de um Cinema mais fantasioso ao mesmo tempo que mais verdadeiro, mas, mais uma vez, foram esmagadas com a nova paixão dos blockbusters, os multi-versos. Quem diria que, poucos meses depois, seria Tom Cruise em seu microcosmos mais marcante, uma cidade praticamente habitada apenas por pilotos, que destronaria o reinado da Marvel e, quem sabe, iniciaria uma verdadeira ressureição.
POR UM CINEMA CINEMA
Embora ainda seja cedo para saber se Tom Cruise salvou o Cinema, uma certeza que já pode ser constatada é de que ele é o Cinema.
E é isso que faz de Top Gun: Maverick, a maravilha que é: um filme sobre a última das mega-estrelas, em todo o seu esplendor e com uma vida icônica a ser reverenciada (não referenciada), ao passo que entende que os próximos caminhos possam ser os últimos.
Essa mudança de geração sendo algo bem evidente por todo o longa, desde a premissa principal (pilotos sendo substituídos por drones), à pequenos detalhes como o cartão de crédito que falha e, à moda antiga, Cruise (prestes a completar 60 anos) retorna com dinheiro. Obviamente toda a dinâmica dele com Rooster (Miles Teller em sua melhor atuação) é o centro dramático disso tudo, o filho do seu melhor amigo morto em um acidente pelo qual ambos o culpam, ao mesmo tempo uma chance clara de renovação, mas também de reconciliação com o passado.
Dos melhores atores vivos e em atividade, Cruise rejeita por completo outra tendência patética do Cinema atual: sem nunca precisar “desaparecer por trás de seus papéis”, é preservando sua natureza icônica que atinge alturas inimagináveis para a maioria. Maverick é Tom Cruise, e quando este vê os jovens pilotos cantando, assim como ele e os amigos faziam, é como se uma janela se abrisse e Cruise voltasse 40 anos no passado do Cinema e da própria vida. Tudo por um simples olhar, Cinema em sua mais pura essência.
Dirigido por Joseph Kosinski (percebam que só mencionei o nome do diretor agora, sendo que na maioria das vezes ele vem no sub-título) com um balanço perfeito de virtuosismo e simplicidade, o diretor revigora as cenas insossas de voo do primeiro filme evidenciando o orçamento alto, mas talvez seu maior acerto seja na encenação. Além do fator Tom Cruise, todos os atores parecem estar tendo o momento de suas vidas, mantendo um maravilhamento dentro de cena que preserva um tom quase heróico - os planos fechados de dentro das cabines, limitados por natureza, assim se tornam muito mais vivos do que a pose do Robert Downey Jr. dentro da armadura, por exemplo.
Um heroísmo que, evidentemente, remete ao espectador mais casual à propaganda militar norte-americana, mesmo que o filme se distancie o máximo possível disso. Bandeiras, claro, mas ao preservar essa relação quase infantil dos pilotos com o simples ato de voar, Maverick é muito mais um filme sobre si próprio do que sobre qualquer discussão contextualizada. Os próprios vilões não serem nomeados (nada de russos, japoneses ou chineses) reforça tanto essa ideia como a estética pura escolhida: são vilões e precisam ser derrotados, o princípio mais básico de qualquer blockbuster que não se preocupe com a cartilha encabeçada por “as motivações fazem o bom vilão”.
Reparem como a cafonice do “não é o avião, é o piloto”, não só encaixa perfeitamente na pureza do filme, como reforça sua ideia principal de que a renovação tem que vir de um lugar especial, rejeitando o processo de desumanização proposto pela tecnologia armamentista… e pelo Cinema pipoca atual, que de diversificado e progressista tem apenas a pose.
E se o primeiro caiu nas graças de todos, anos depois, por conta de seu sub-texto homoerótico (embora pra mim sempre tenha parecido algo mais amor livre), esse é mais dosado, mantendo na simbologia sua principal ligação com o original. Tanto no jogo do futebol americano com os caras sem camisa e suados e as gurias num canto de tela, como na cena de sexo do Cruise com a Jennifer Connelly. Ela só deixa a porta aberta e corta pros dois dando risada, sensualidade o suficiente pra fazer o relacionamento funcionar, mas uma praticidade que preserva ainda mais a figura do Cruise sem deixar ele menos ícone pros pais que viam ele como modelo em 86, quando jovens, e agora vão poder repetir a dose.
E aqui faço uma ligação pessoal da agora franquia Top Gun com minha experiência como amante do Cinema.
Minha mãe é 15 anos mais velha que meu pai (em uma escala maior, mas que não deixa de ser semelhante à diferença de maturidade de Maverick e Rachel, no original), os dois se separaram quando eu tinha menos de dois, e das poucas histórias positivas que ela conta é como ele assistiu o original e dizia que queria ser igual o Tom Cruise. Usar camiseta branca, jaqueta e andar de moto.
Fui assistir Maverick (de camiseta branca e jaqueta) com minha namorada, que inicialmente odiou o filme, mas terminou chorando junto comigo. Não preciso dizer que, três décadas depois, e talvez pela primeira vez na vida, me senti igual a meu pai.