Crítica | Um Amor a Três

Filme assistido durante a cobertura do Brasilia International Film Festival (BIFF) de 2020, disponibilizado online pela organização devido a pandemia do Covid-19.


“Um Amor a Três” tem pouco, se qualquer coisa a oferecer ao espectador.

Com seu título original que remete a um pornô softcore, e sua tradução aludindo para uma comédia romântica estrelada por Reese Witherspoon, este filme da cineasta brasileira Stefania Vasconcellos não é nenhum, nem outro. Mirando em Godard - que é referenciado aqui, mais sobre isso adiante -, com umas pitadas de Gaspar Noé e até um tanto de “Elle”, a obra é um exemplo que atirar simbologia em um roteiro mal escrito apenas ressalta o quão presunçoso este se torna.

Estrelado por Marie Laurin, o longa conta uma história mais do que similar ao também terrível “O Garoto da Casa ao Lado”, onde uma professora de francês Cleo (Agnes Varda, é claro) começa um romance com um aluno vários anos mais jovem, ao passo que sua relação conturbada com o pai e a filha veem a tona.

Mas se aquele ainda teve “coragem” de mostrar uma cena de sexo de sua estrela principal, aqui o que vemos são dois “momentos” borrados e que tornam o relacionamento de Jeniffer Lopez e o tal rapaz vizinho em uma história de amor ardente. Laurin e Sean Patrick McGowan não demonstram qualquer química, algo que o roteiro jamais consegue imprimir ao citar conversas óbvias sobre cultura popular que, logo mais, se estendem à uma discussão tão rasa que me fez rir, onde a filha de Cleo pergunta ao “padrasto” quem ele prefere, Truffaut ou Godard. A resposta da mãe? Eu gosto dos dois.

Jamais se mostrando uma pessoa interessante, ou sequer agradável, a forma como a diretora tem de transformar Cleo em um objeto de desejo do aluno é ao vesti-la de vermelho, ou colocar um livro da cor em sua mesa. O design de produção, inclusive, é péssimo ao não passar qualquer naturalidade aos cenários, os quais a diretora fotografa com planos quadrados e que quase remetem a uma produção teatral. Estes símbolos, na verdade, se tornam opacos caso a história que refletem não traga em si os significados que buscam atingir, mas tomam um contexto quase grosseiro por conta da moralidade corrompida da narrativa, talvez menos por intenção e mais por incapacidade dos envolvidos. E, a seguir, utilizo de certos spoilers para explicar o porquê deste filme, tecnicamente ineficaz, ser tão problemático tematicamente.

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Logo na primeira cena do longa, Cleo dá banho em seu pai, com Alzheimer, que, a confundindo com sua falecida mulher, a beija a força. É uma cena desagradável e capaz de provocar discussões perturbadoras sobre a natureza desta doença tão terrível - como, é claro, uma colega acessório de Cleo fala com as habilidades interpretativas de uma peça de colégio (ruim, diga-se de passagem) -, mas a forma como a diretora volta a ela, por um flashback afundado em vermelho, cor esta que remete ao amor e a violência, me fez pensar seriamente no que ela queria comunicar. Em outro diálogo Cleo e a filha, interpretada razoavelmente por Anna Maiche, discutem sobre como tendemos a nos apaixonar por pessoas similares fisicamente, ao passo que Cleo comenta sobre o incesto ser um tabu e a filha pergunta se seu novo namorado parece com seu irmão. Tudo isso em tom de provocação sexual. Isso mesmo.

Mas o momento chave é quando Cleo está dormindo com Mathew e sua filha, recém acordada de um porre, decide se deitar na cama com ambos. Lembram do título brasileiro do filme?

Se a diretora tinha qualquer intenção de fazer um filme desafiador e provocativo, ela se perdeu consideravelmente. O que vemos aqui é um melodrama com problemas de continuidade óbvios em seu roteiro e com falas que nem sequer fazem sentido, filmado de forma melancólica e centralizado em uma personagem cujo arco narrativo jamais sai do lugar.

Cleo vive uma vida trágica, que se resume em brigar e reatar com as pessoas que gosta e, por mais que o último plano onde ela e a filha se reconciliam seja bonito - a fotografia é uma das poucas coisas que se salvam aqui e me lembrou, nesta cena, de “Desprezo”, do Godard -, não é como se o longa desse qualquer indicativo de que isso solucionaria os problemas que ambas enfrentam. Pelo contrário, imaginar o que aconteceria depois é uma tarefa tão desagradável como as cenas que precedem o final.

Espero que a qualidade deste trabalho se torne exceção, e não regra para a jovem cineasta brasileira.

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