Crítica | American History X

critica a outra historia americana

Os anos pré-virada do milênio foram especialmente conturbados no Cinema dos Estados Unidos. Em dois anos tivemos o lançamento de: O Show de Truman, Clube da Luta, Beleza Americana, De Olhos Bem Fechados, Matrix, Magnólia, Garota Interrompida, As Virgens Suicidas, Pi.

Mas talvez nenhum seja tão relevante (ainda) como “A Outra História Americana”, um filme que foi direto pras escolas e agora faz parte do imaginário popular quando o assunto encontra os temas mostrados aqui.

Acho que o que mais me impressiona no filme de Tony Kaye é como ele tem tudo para soar moralista, de um jeito realmente óbvio, mas ainda consegue usar isso a seu favor. A encenação, com vários planos holandeses, e até um certo desfoque aqui e ali, parece coisa do canal ID, com os personagens entoando as frases e fazendo caras e bocas que expressam da maneira mais clara possível o que pensam (a namorada é ótima nisso) e o que o filme quer que pensemos. Mas o absurdo da situação é tanto, o choque cultural é tanto, que acabamos aceitando aquela como a melhor forma de comunicar essa história.

Não é como se o neo-nazismo não fosse algo que merecesse algo mais didático, sendo que tentar fazer algo dúbio ou abstrato do ponto de vista formal podia acabar bem mal, de mau gosto mesmo. A mensagem é clara, porque ela devia ser… mas Kaye ainda a subverte! A cena do jogo de basquete chega a ser patética (13 anos de experiência com o esporte me fazem ver com clareza que Edward Norton mal sabe quicar uma bola), com ele enterrando o ponto da vitória e uma euforia quase pura em sua maldade tomando conta da cena. Não que o diretor, de origens Judaicas, tente encontrar um lado positivo no movimento Neo Nazista, mas sim nas pessoas que ele cega.

Assim, o Derek de Edward Norton surge como uma espécie de Alex DeLarge, um personagem que não deveria jamais ser perdoado, mas que muda tanto ao acordar pra realidade que soa como um raio de esperança que nos faz acreditar que aquilo é possível - e é justo que seja um jogo de basquete que acarrete a ação que o faz enxergar que estava do lado errado da história. Norton, que um ano depois encolheria para se tornar o protagonista de Clube da Luta, dá vida à essa mudança, alternando a brutalidade assustadora dos flashbacks (a cena do meio fio é de fazer vomitar) com uma postura quase estéril quando volta, maleável, arrependida.

Toda a roupagem de recriação dramatizada da realidade toma sentido e progride até que as linhas temporais convergem nesse despertar, que já parecia ter apontado no irmão de Derek, Danny que, por sua vez, ilustra esse ciclo vicioso de violência e ódio. Jovens precisam de ídolos, e Derek é exatamente isso nos flashbacks. Por isso também Kaye acerta em não permitir que o final corrompa essa mudança: quando vê o irmão assassinado por esse ciclo, ele se pergunta o que fez de errado, sem sequer cogitar voltar à vida que deixou.

Vi alguns reclamarem da falta de construção do ódio no próprio Derek (uma cena dele com o pai e eles fantasiados de mais novos, de novo algo quase jocoso ao nível produção de TV), e como Faye quer acompanhar um único dia, essa pendência com o passado parece expor lacunas. Spike Lee faria melhor com A Última Noite (com o próprio Norton), onde aponta a todo o momento para a ebulição que aqui parece quase se perder em meio à moralização.

Mas houveram problemas na produção, Faye queria um corte final mais curto e ele próprio desdenha o filme, mas o impacto externo não mente: American History X é um filme difícil de tragar e mais ainda de esquecer. O que, por si só, é um atestado de seu sucesso como arte e de nosso fracasso como sociedade.

8.7

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