Crítica | Björk - Utopia

álbum disponível no fim do post

Björk descreveu o desmoronamento humano em seu álbum "Vulnicura" (2015), um retrato perfeito da tristeza e do ressentimento, onde cantou sobre o fim do seu casamento com o artista Matthew Barney e as consequências dolorosas de um divórcio.

Tudo em "Vulnicura" foi construído para expressar o pesadelo ao qual passava, desde melodias pesadas a notas que ecoavam no silêncio em que a voz narrava os fatos.  

"Utopia" vem no momento certo, como uma sequência de "Vulnicura", sem necessariamente colocar uma pedra na narrativa do registro anterior.

Descrito como o "álbum Tinder",  o novo disco vem como uma retomada de fôlego após o vendaval, como se a cantora buscasse abrigo em sua própria música para criar um mundo fantástico, e em tempos de Trump e Temer, em que os seres humanos precisam agir para transformar o mundo em um lugar melhor para se viver, isso se torna ainda mais urgente. É a partir da junção de uma realidade emocional e política que surge o conceito de "Utopia". Essa pratica não é algo novo para a cantora que compôs "Declare Independence", que ao mesmo tempo que encorajava oprimidos em um relacionamento, entusiasmava civilizações a se rebelarem. 

Para produzir este novo capítulo de sua carreira, Björk se juntou mais uma vez a Alejandro Ghersi (Arca) e obteve a colaboração de Rabit e Sarah Hopkins. Se em "Vulnicura" os arranjos de corda conduziam o jogo principal, em "Utopia,  Björk reuniu um grupo de 12 flautistas na Islândia arranjados de modo a obter tons variados para as 14 canções do disco. Para dar um tom ainda mais cinematográfico, Björk foi mais além ao incluir gravações de campo, ventos e pássaros da Venezuela.  

"Arisen My Senses" abre o repertório de maneira fenomenal. Cantos de pássaros e toda explosão percussiva, como anúncio da primavera. Ao mesmo tempo toda a construção da faixa recai perfeitamente sobre a magia do encontro de duas bocas através do beijo. Björk não estava brincando quando chamou este de seu "álbum Tinder". A força de flertar e do encontro romântico está presente a todo momento. "Blissing Me" e "Courtship" abordam mais intensamente essa descrição. Enquanto a primeira descreve dois nerds da música obsessivos que se apaixonam enviando arquivos em mp3 um para o outro, na segunda ela canta sobre confiar em si mesma para arquivar seu fluxo histórico de amor.

É muito bom ver Björk cantar novamente sobre o amor e a esperança.

O primeiro single, "The Gate", trata de trazer essa expectativa novamente, onde ela é cantada excessivamente.

Me importo com você,
eu me importo com você,
se importe comigo

Em meio a tudo isso, a artista ainda explora o conceito de utopia, não como uma civilização ideal, imaginária, fantástica, impossível de ser alcançada, como definida pelos princípios filosóficos. A utopia aqui é algo palpável, para onde fugimos quando queremos deixar as frustrações da vida, e talvez essa tenha sido a maneira perfeita para a cantora fugir dos seus demônios.

Quando divulgou o título do novo álbum, "Utopia", para alguns de seus admiradores o tema soou clichê demais para um disco de Björk, conhecida por suas inovações. Contudo, ela, que adora demonstrar senso de humor em seus trabalhos, confessou gostar da trivialidade da palavra, algo que justifica a escolha do tema.

Apesar de expressar a busca pela esperança, os temas do projeto anterior ainda vêm à tona em canções como as autobiográficas “Sue Me”,  em que Björk canta sobre seu ex-marido ter a processado pela custodia de sua filha Isadora, e "Tabula Rasa", uma carta de amor para os filhos.

Em "Losss" produção de Rapit,  Björk da provas de sua versatilidade, reunindo vulnerabilidade e força no mesmo verso.

A perda de amor que todos nós sofremos
Como nós compensamos isso, define quem somos

Na faixa "Saint", a artista descreve uma matriarca que oferece abrigo para "órfãos e refugiados", um claro protesto a proibição de entrada de refugiados e imigrantes nos Estados Unidos e na Europa. Por abordar este tema, a cantora demonstra que sua utopia não é apenas uma válvula de escape, mas também uma ótima oportunidade de reagir aos fatos a sua volta e tomar ação imediata.

Björk é uma vanguardista na música e já vendeu mais de 20 milhões de discos ao redor do mundo. Em "Utopia" ela cria a sua própria ideia utópica, que nada tem a ver com as ideias filosóficas de outrora. Por isso, de forma brilhante "Future Forever" encerrar o registro com uma visão bastante otimista. 

Imagine um futuro e entre nele.
Sinta essa incrível criatividade, mergulhe.
Seu passado é um loop, desligue-o.

8,8

Anterior
Anterior

Crítica | Han Solo: uma história Star Wars

Próximo
Próximo

Crítica HQ | Visão: pouco pior que um homem