Crítica | O Poço

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Por conta da popularidade que vem tendo nestes últimos dias - e por já ter esgotado Netflix, Amazon e a programação do Telecine estar péssima essa semana -, decidi assistir ao tal “O Poço”.

Dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia e escrito por David Desola e Pedro Rivero - cineastas Espanhóis que não conheço -, “O Poço” foi a opção do Brasil para se tornar febre durante a quarentena, o motivo ainda estou tentando entender. No filme, um homem chamado Goreng acorda em uma espécie de prisão voluntária que, dividida por níveis, tem uma plataforma que desce com comida todos os dias, porém os andares de baixo comem apenas as sobras dos andares de cima. Ele tem de permanecer lá por seis meses para poder ganhar um certificado, mas ao conhecer sobre a verdadeira natureza do local, começa uma luta diária pela vida.

É sempre um exercício curioso imaginar como seria um filme caso outro cineasta fosse encarregado de dirigir-lo e, neste caso, me peguei pensando durante toda a projeção como este seria nas mãos de alguém mais competente que Urrutia. O que Bong Joon-Ho não construiria visualmente, como os movimentos sutis de câmera de Fincher não aumentariam a atmosfera de tensão, quanta diversão Hitchcock não injetaria na narrativa e seu espaço fechado. Todos estes pensamentos me vieram a cabeça, mas se cogitei a ideia de passar as rédeas do longa para qualquer destes mestres é porque, de certa forma, ele me convenceu do potencial de sua premissa.

Não que o trabalho de Urrutia seja ruim, pois não é, mas algumas escolhas se mostram injustificáveis. O filme se passa em um mesmo ambiente, quadrado, fechado, enclausurado e, na maioria das vezes, apenas dois personagens interagem, mas ainda assim a câmera é tremida e a edição frenética, como que tentando dar agilidade a uma narrativa que se beneficiaria muito mais de paciência para conferir o peso arrastado daqueles dias. A impressão é que por mais que vejamos as psiques dos personagens se deteriorando pela passagem de tempo, não é como se sentíssemos o mesmo, pois a câmera na mão jamais consegue nos imergir no cenário que, visualmente, é muito bem construído e gera calafrios, mas simbolicamente é mal aproveitado. A própria paleta de cores, por mais que eficaz em passar um sensação de mofado, é prejudicada por essas decisões, sendo que Urrutia não consegue criar sequer um plano memorável, mesmo com um design de produção rico e que extrai o máximo do espaço limitado.

Passagens óbvias poderiam tomar contornos gigantescos quando combinados com os temas do roteiro. Como exemplo, vemos como a comida sai dos níveis superiores, mas o comparativo com os inferiores se torna inútil quando ela já chega neles indistinguível. Em diversas cenas vemos personagens marcando os dias nas paredes, ou mesmo o sangue que se espalha graças aos confrontos movidos pela fome, mas o diretor, podendo se utilizar deles para gerar desconforto logo no começo, passa batido.

Dito tudo isso, volto a afirmar que não considero esta uma direção ruim, mas que faz um trabalho apenas razoável com as escolhas equivocadas para a história que tinha em mãos.

Já as interpretações são o forte do filme, sendo que boa parte de seu elenco é capaz de comunicar a insanidade provocada por aquele lugar, mas é uma pena que jamais sejam dados conteúdo o suficiente para vermos suas outras faces. Porque deveria me importar se tal personagem ataca outro? Ou se outra se encontra em um abismo emocional? Porque devo ligar para alguém que procura alguma coisa se jamais a ouço se pronunciar? E, em meio a todos estes, surge o Goreng de Iván Massagué, uma espécie de Messias que jamais deixa suas virtudes de lado, por mais que O Poço faça o possível para lhe corromper. Nele podemos ver a mensagem que o filme tanto quer passar, que mesmo o melhor dos seres humanos ainda vai fraquejar quando em uma situação de miséria, mas é a forma como ele responde a isso que realmente o define.

Porém é, novamente, uma pena que “O Poço” tenha tantas ideias e acabe não concretizando a maioria delas. Afinal, o que aqueles personagens deveriam aprender? A dividir? Se sim, haveria comida o suficiente naquela plataforma, pois mesmo quando racionada ela não saciaria nem metade da profundidade do poço. Ou estariam eles em um jogo sádico pela vida que tem como objetivo mostrar o pior do ser humano? Essas respostas nunca são descobertas e o espaço dado à interpretação se mostra vago demais, pois qualquer tentativa de tentar segurar em mãos os conceitos deste filme é uma tarefa tão concluinte como enxergar o fundo do vão que conecta todos os níveis.

Com gore o suficiente para satisfazer os fãs do gênero, e com mais cérebro que o sucesso comum da Netflix, “O Poço” é uma obra limitada por si própria, que apesar de sua profundidade, acaba nadando em águas rasas demais.

Se vale o seu tempo nesta quarentena? Depende. Mas existem opções melhores, com a mesma finalidade. Basta saber procurar.

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