Crítica | A Cidade Perdida de Z

critica a cidade perdida de z

Você já se perguntou o que seria caso tivesse nascido em uma época passada?

Ao menos a mim, nunca tinha ocorrido que, caso tivesse nascido nos anos, digamos… 20, provavelmente meus interesses, sonhos e talentos seriam consideravelmente diferentes, seguindo o mundo à minha volta.

E porque começo esta crítica dessa forma? Porque “A Cidade Perdida de Z”, uma das jóias perdidas do cinema norte-americano nos últimos dez anos, é um filme sobre, entre tantas outras coisas, nossa relação com o passado. Ou melhor, sobre a obsessão de um homem que dedicou a vida toda a justificar seu presente em anos há muito vividos. Este homem é Percy Fawcett, um explorador britânico (real) que acreditava na existência de uma antiga civilização no meio da Amazônia, e desapareceu em sua sétima (!) expedição à floresta.

Mas se esta quase trágica história (baseada no livro de mesmo nome de David Grann) pode trazer toda a melancolia de uma busca, pelo que sabemos, inacabada, o filme de James Gray decide retratar a vida deste homem como algo repleto de significado, justamente por este buscá-lo a todo o momento. Interpretado por Charlie Hunnam como um homem polido, que jamais levanta a voz em uma discussão, mas que também não se deixa dobrar por ninguém, o ator encontra aqui a melhor performance de sua carreira, sugerindo de maneira sútil, mas intensa, a paixão pela forma de vida que escolheu (jamais chamaria o que ele faz, como faz, de profissão, inclusive). Embora sua relação com a família possa parecer rígida demais, ela jamais abandona a lógica emocional do longa: um cineasta inferior contraporia os momentos de Fawcett com a esposa e filhos àqueles vividos na floresta, mas graças à performance de Hunnan, capaz de nos fazer acreditar em seu amor tanto por sua casa como por sua missão de vida, Gray consegue manter o tom de maneira uniforme, respeitando a imagem que cria de seu “herói”.

Fotografado de maneira claustrofóbica em ambos os ambientes, seja por paredes e tetos ou pela densa floresta, é um absurdo que Darius Khondji não tenha enfileirado prêmios por seu trabalho aqui. Optando por uma paleta esverdeada, cores rebuscadas e com uma acentuação forte no escuro, mesmo quando de dia, a sensação é de perigo eminente na Amazônia, algo que Gray dirige bem ao ter seus atores sempre agachados, olhando por trás do ombro, enquanto as cenas na Inglaterra transformam a burocracia e política por trás das expedições no espaço que o filme necessita para discutir seus temas, com todos os homens - em uma cena ridícula por ser verídica, afinal as mulheres não são permitidas participarem das reuniões - engravatados e tentando se superar nos bons modos.

Sienna Miller, inclusive, tem um papel crucial no centro sócio-cultural do longa, emprestando força e uma necessidade latente de liberdade na pele de Nina, companheira de Fawcett. Apaixonada pelo marido, e talvez tanto pela vida que ele leva e que ela gostaria de poder compartilhar, Miller transforma sua personagem, já bem escrita, em um elemento surpreendente, que consegue discutir o machismo estrutural de maneira macro e micro ao mesmo tempo. Já Robert Pattinson está irreconhecível como Henry Costin, parceiro de viagens de Fawcett, ao passo que Tom Holland ilustra bem as semelhanças que divide com o pai e uma maturidade necessária, mas que claramente serve de cobertura para a infância peculiar que teve.

Falhando apenas em evitar o tom episódico da narrativa - que, ao menos após as primeiras viagens, parece gerar uma quebra de ritmo - a sensação é que Gray emprega sempre o plano certo para cada cena, evocando as ambições de seus personagens ao passo que sugere sempre uma ameaça a espreita, seja dos índios nativos, ou dos burgueses engomados. Por isso, o ritmo lento soa mais como uma espera interminável por novas pistas, que quando paramos para olhar, acabam já no primeiro ato com os poucos itens de tapeçaria encontrados. Percebam, a cidade perdida do título jamais esteve realmente próxima de ser encontrada, mas isso de maneira alguma fez com que Fawcett desistisse - algo que, fascinantemente, rima com o filme seguinte do cineasta, “Ad Astra”, que olha para o futuro ao invés do passado também em busca de respostas.

Em seus momentos finais (não são spoilers, afinal), Gray imagina a morte de Fawcett - em uma cena linda - não como um fim, mas sim como uma nova jornada, desconhecida por todos ainda vivos e digna da vida apaixonada e significativa que viveu. Tratado como louco por muito tempo, quase 100 anos após sua morte mais evidências acerca de Z foram descobertas e embora a morte do explorador seja um mistério sem solução, gosto de pensar que, de uma maneira ou de outra, ele encontrou o que tanto procurava.

9.5

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