Crítica | O Babadook

Não há medo maior do que aquele que vem de dentro.

O filme de Jennifer Kent materializa a depressão, dando voz à dores trancafiadas em armários que não precisam de chaves para ficarem trancados.

A primeira vez que escapei de assistir “Babadook” foi em uma clássica noite com os amigos, que não fui não lembro o porquê, mas que lembro que a maioria odiou. E era apenas óbvio, talvez não haja filme menos adequado para ver entre amigos do que a estreia na direção de Kent, sobre uma mãe viúva que começa a experienciar acontecimentos paranormais em casa após o aparecimento de um livro contando a história da criatura que dá nome ao filme.

Muitos filmes do gênero nos mostram figuras maternas arrasadas e decadentes, mas poucas me preocuparam tanto quanto a performance de corpo inteiro de Essie Davis. Com um olhar cansado, mas que não deixa de possuir afeto, a forma como ela convive com o comportamento hiperativo do filho (um demoniozinho, diga-se) a esgota completamente, algo que a atriz mostra isso desde o olhar à composição física: anda se arrastando, prestes a ruir, mas com um sorriso forçado, tanto para os outros como para si mesma.

Já aí, qualquer público desavisado deve se enfastiar, pois não há qualquer sugestão que o que irá acontecer será divertido. Pelo contrário, o filme caminha rumo a um porão mofado, com a fotografia de cores fúnebres retirando a vida de praticamente todos os cenários e por mais que os arrepios causados pela figura do Babadook, sempre a espreita, sejam legítimos, no momento que se percebe seu verdadeiro papel na narrativa o medo pode muito bem dar lugar à tristeza. Kent logo brinca com percepções e perspectivas, com as sombras e o escuro, justamente porque quem faz os nossos demônios somos nós. O que conversa com a inevitabilidade da criatura: enquanto não houver cura, enquanto restar medo, ele estará sempre ali.

Curiosamente, o Babadook se ampliou para o mundo real, com movimentos sendo criados em seu favor - a comunidade LGBTQ o adotou como um símbolo, inclusive -, que a realizadora atribuiu à formas que o monstro encontrou para continuar vivo.

Kent faz bem em sufocar tudo ao redor da vida daquela família despedaçada pela perda, como se não houvesse para onde olhar, se não pra dentro, e por mais que haja uma certa incongruência na roupagem filme B, quase caseiro que assume e na auto-indulgência da coisa toda, essa melancolia quase brega de tão auto-imposta combina com a figura toda pomposa do bicho. O que torna a cena final algo quase tão revigorante como o elixir de “A Visita”, uma forma de seguir em frente é sabendo que o medo e a dor nunca vão embora. Temos que aprender a conviver.

7.8

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