Crítica | Guardiões da Galáxia Vol. 3

UMA NOVA ESPERANÇA

Novo filme da Marvel é surpreendentemente… bom


Minha mãe ama o Groot como um bebê dela, então por reparação histórica decidi assistir esse com ela, mesmo tendo professado que não veria mais nenhum filme da Marvel nos cinemas. Afinal, ela me levou pra ver de Grinch e Stuart Little a Harry Potter, e posso apenas retribuir.

Surpreendentemente, ainda mais por nunca ter ligado a mínima para o grupo em si, me diverti muito, capitalizado pelo sentimento de que o filme tem uma ideia concreta sobre o que está fazendo e dizendo - mesmo que faça isso por acidente.


PRA QUE CHATGPT?

No meio do caminho, mesmo que curtindo, senti como se Guardiões 3 fosse como uma carta de amor ao final da humanidade, a iminente revolução que a inteligência artificial vai provocar na indústria do Cinema até que percebamos o dano disso tanto de maneira material (incontáveis empregos perdidos) como artística (historicamente, a Arte sempre passou por processos de industrialização, mas quando os filmes ficaram terríveis, rupturas ocorreram). A história do filme, afinal, é sobre uma criatura feita por computador, que é assim desde quando não precisava ter sido (os bebês guaxinins também são CGI), mas isso foi apenas a cereja do bolo pra minha constatação temporária.

Nada mais parece humano nesses filmes. Mesmo quando uma boa sequência de introdução deixa aquele mundo respirar um pouco (os tons pastéis dão uma vibe Wes Andersoniana que fazem parecer que o lugar realmente existe dentro de suas estranhas regras e rotinas), e quando a encenação é pensada de maneira coletiva, o processo de “filmagem” entra no caminho, cortando abruptamente entre falas e ângulos mal enquadrados, e estranhamente retirando alguns segundos da equação de modo que tudo parece costurado perto demais. Não existe “humanidade” em como essas conversas são pensadas, faladas e sentidas, tudo que é dito parece escrito por um computador para soar como, horas, um filme da Marvel - mesmo que os atores sejam humanos, ainda.

E James Gunn, apesar de mais talentoso que o operário comum do MCU, não consegue romper com os traços mais irritantes dos estúdios. Ao tentar fazer esses mundos soarem realistas, a câmera parece estar sempre se movendo pelo menos um pouco, mas volta e meia faz uns movimentos deslizantes com a sutileza daquelas minhocas gigantes, mesmo quando a melhor maneira de mostrar algo talvez seja com a montagem (pra não falar em Soviética, falta muito Hitchcock em todos esses filmes). Também, a Marvel tem essa necessidade de focar em alguns personagens mal-escalados, como o cara de moicano metálico, e de não usar suas participações especiais da melhor maneira - a introdução do Stallone é um desserviço em um filme sobre um guaxinim chamado Rocky.

Mas ainda assim, quando minhas (baixas) esperanças estavam indo por água abaixo, eventualmente as coisas começam a se encaixar. Talvez desconjuntadas, talvez por acidente, mas se encaixam.


O CÉU É PARA TODOS

Guardiões 3 assume, depois de anos de exploração espacial, que talvez tenha algo maior nesse universo do que só mais alienígenas perigosos (o vilão desse filme, inclusive, é sofrível a ponto de ser melhor escalado em um filme dos Pequenos Espiões ou num jogo do Pokémon).

Gunn assume, contra tudo que sabíamos do MCU até então (venho de um planeta onde magia e ciência são a mesma coisa), uma espécie de espiritualização, representada por um paraíso que me lembrou a cena chave de As Relíquias da Morte Parte 2 (2011), e por uma Arca de Noé que não exclui ninguém: animais, criaturas, vilões, robôs. Ou, de maneira ainda mais simples (ou menos espetaculosa), no simples ato de olhar para cima esperando ver o céu.

E quando meus olhos me traíram e derramaram algo de uma lágrima (e eu nem lembro em qual cena exatamente), minha cabeça se alinhou pra testemunhar a melhor e mais humana cena de 15 anos de Estúdios Marvel.

Em uma trilogia tão marcada pelo uso da música, é apenas justo que tudo termine em uma sequência de dança coletiva - a forma mais pura de expressão que temos. É ali, em um lugar chamado de Lugar Nenhum, em meio a tantas espécies que um livro de biologia não conseguiria comportar, que o destruidor percebe que só queria voltar a ser pai, que a arma perfeita se torna uma líder pacifista, que a árvore que se faz entender apenas para quem gosta aprende a falar para todos esses, que o experimento tecnológico se torna humano, e que todos aqueles que se encontraram podem finalmente cantar e dançar, juntos, com paz e esperança renovadas.

Os dias de cão, de fato, acabaram.

8

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