Crítica | Close
SENSIBILIDADE FABRICADA
Sucesso de Lukas Dhont busca o sensível, mas esbarra em si próprio
Pra um filme que se propõe a ser um olhar sensível sobre o início da adolescência, Close (2022) me parece ter um problema de falta de sensibilidade no mostrar. Uma falta de sensibilidade que não significa ausência de delicadeza ou empatia, mas em perceber que a oclusão de algo pode impedir que o próprio título do filme se justifique.
Segundo filme do Belga Lukas Dhont, e multi-premiado ao redor do mundo, Close mostra como a amizade de dois meninos de 13 anos é afetada pelo preconceito (talvez nem dê pra chamar disso propriamente) dos colegas, quando os dois se aproximam da adolescência - e, sempre bom avisar, este texto contém spoilers.
Apesar de ser o primeiro filme que vejo do diretor, fica clara a influência dos irmãos Dardenne, conterrâneos que nas últimas três décadas se estabeleceram como uma das principais forças do Cinema Europeu. Seus filmes, por mais que dividam algumas tendências festivalescas (que os próprios foram fundamentais em estabelecer), parecem sempre encontrar algo escondido, uma verdade revelada por uma câmera que mistura, de maneira agridoce, a sensibilidade do olhar e a insensibilidade do mundo.
Algo que, acredito, Close falha em fazer justamente ao tornar essa busca um experimento pictórico, como se tentasse encontrar na beleza dos campos de flores e nos rostos ainda puros de jovens, que primeiro descobrem a adolescência e depois a assimilam, a implacável indiferença que o passar do tempo tem sobre nossas emoções. O objetivo de Close, portanto me parece, é se aproximar desse momento de transição, é de revelar com a proximidade da câmera algo que tente explicar uma época de tantas incertezas.
Curiosamente, algo que os Dardenne conseguem ao manter distância. Seguindo uma lógica de encenação que entende os espaços como reativos, os irmãos enfatizam o poder de olhares, palavras e gestos ao torná-los parte de uma cadeia de acontecimentos. Num filme dos Dardenne, um ator reage ao outro no mesmo plano, e são os pequenos momentos de antecipação e apreensão entre essas ações que mostram algo que a câmera jamais poderia ser forçada a captar. Seus filmes sucedem nesse espaço, nesse tempo entre acontecimentos, em um vazio momentâneo que ressignifica a relação de seus personagens.
Dos melhores em atividade ao aplicar a tecnologia digital, é uma decisão no mínimo contestável que Dhont queira fazer o oposto. Com imagens muito bonitas, a fotografia de Close reforça esse aspecto límpido do digital. Uma das maiores virtudes do filme acaba até vindo disso: a adolescência surge justamente com olhares, sorrisos, gestos, e não com espinhas, pelos ou mesmo mudanças na voz. A questão é que, por vezes, parecemos estar assistindo uma propaganda de TV em 8k, e alguns planos são tão meticulosamente sutis que perdem qualquer tipo de sutileza - os meninos deitados no quarto vermelho faz Me Chame Pelo Seu Nome (2017) parecer comedido. Ao fabricar essa aproximação, Dhont se afasta de seu objetivo.
Gosto mais quando ele brinca com o zoom, com os planos frontais de Léo (um ótimo ator e que parece fisicamente com meu irmão) contrapostos ao que ele enxerga, sempre com uma certa distância - a mãe de Rémi por um vidro, ou em meio a uma multidão. Mas mesmo algumas dessas tentativas que teoricamente deveriam funcionar - o zoom out dos dois no primeiro dia de aula - me parecem traídas pela qualidade absoluta de imagem, essa que é até meio soberana esteticamente. Como se a estilização viesse apenas nessas cenas mais específicas, retirando ainda mais qualquer possibilidade de sutileza.
E se os Dardenne encontram o vazio em cena, Dhont apela para algo que me lembrou Moonlight (2016), ao resolver a morte de Rémi fora de cena, e delegar a seus atores o peso de fazê-la ser sentida. O que, infelizmente, soa como mais uma decisão insensível, que deixa totalmente no escuro um dos meninos, enquanto fecha o mundo ao redor do outro - e quando encontra essa insensibilidade, Dhont não rompe com a beleza visual do filme, como se a narrativa e a fotografia fossem pensadas de maneira separada.
Ou melhor, até dá pra dizer que existe uma tentativa. Se antes já víamos colegas de maneira periférica (e o Hockey, com seus uniformes que escondem a pessoa, os movimentos sensoriais e seu cenário branco e vasto é o esporte perfeito para alguém que quer esconder quem é), agora os planos parecem até mesmo incompletos, fechados em excesso e com uma iluminação que preenche um pouco menos o ambiente - mesmo que o aspecto puro da imagem digital nunca seja afetado.
A questão é que, ao isolar Léo do mundo, Dhont exclui também o potencial da tragédia em after e mudar o coletivo, algo que o Holandês Spijt (2013), com toda sua roupagem de filme de escola, consegue fazer melhor. E tudo bem, a história é sobre os dois, mas no momento que um deles não mais pode participar desse processo de cura, falta a Dhont também jeito de encontrá-lo em Léo. A tentativa de comunicar esse processo pela edição é talvez a mais falha do filme, alternando drasticamente entre momentos introspectivos com outros frívolos, sem estabelecer nenhum tipo de continuidade ou mesmo poesia em como retrata o luto - embora a função do gesso seja interessante, a alternância entre cenas como aquela do abraço do irmão mais velho e as brincadeiras na escola tiram o peso umas das outras quando coladas juntas.
Talvez as melhores cenas sejam mesmo as envolvendo a mãe de Rémy, pois se Dhont falha drasticamente em encontrar a presença do guri de maneira espiritual no filme que ficou, ele passa mais perto dos Dardenne quando Léo entra no quarto do amigo - que me lembrou O Quarto de Jack (2015) -, e principalmente quando encontra algum tipo de resolução no abraço que dão após deixarem seus sentimentos reprimidos aflorarem - uma cena definitivamente inspirada por O Filho (2002).
Entendo perfeitamente como Close rompeu a barreira cult e se tornou um pequeno fenômeno, derramando lágrimas de muitos que assistiram (e que parece destinado a passar na TV aberta). É um assunto delicado demais, e seus intérpretes o encarnam com uma competência incomum para atores tão jovens em um filme tão “encenado”. Mas, tendo visto apenas este filme de Lukas Dhont, a impressão que fica é que o autor jamais deixa o filme que tem em mãos ser. Uma ironia grande demais em um filme, em tese, sobre isso.