Crítica | Sérgio
A grande maioria das biografias cinematográficas falham por, principalmente, duas razões.
A primeira, como aponta Quentin Tarantino, é que se você colocar a vida inteira de uma pessoa em um filme, além deste ficar superficial, vai ficar chato. A segunda, é que na grande maioria das vezes os biografados são endeusados de maneira que parecem criaturas divinas que desceram a Terra para salvar a humanidade.
“Sérgio”, filme do diretor Greg Baker sobre o diplomata brasileiro da ONU, morto em um atentado em 2003, ao menos foge da primeira delas.
Concebido quase como um acompanhamento do documentário de mesmo nome que Baker produziu em 2009, o filme acerta em focar em momentos distintos da vida de Sérgio Vieira de Mello, o que nos permite conhecer-lo por meio de suas ações e atitudes perante as desigualdades que enxerga. Vemos seu papel na emancipação do Timor, sua relação com a colega Carolina Larriera, o drama que viveu no atentado que tirou sua vida no Iraque e ao menos um pouco de como sua vida pessoal fora deixada de lado por conta de seus deveres com a ONU. Todas estas tramas são interessantes, porém, Baker acaba se aventurando demais na estrutura da narrativa, alternando estes momentos em demasia, de forma que o filme leva uns bons 30 minutos para fazer com que nos importemos de verdade com os personagens - o que, eventualmente, sucede em fazer.
O cineasta havia dirigido apenas documentários anteriormente, e isso fica claro tanto do ponto de vista narrativo, como técnico. Filmado inteiramente com a câmera na mão, “Sérgio” tenta se tornar em uma experiencia imersiva - com certos contornos surrealistas, que me lembraram Terrence Malick - e consegue em partes, mas o excesso de cortes anula parcialmente este feito. Por mais pessoal que seja a proximidade que temos dos personagens, jamais os vemos com liberdade o suficiente para derrubarmos a barreira público-obra, ainda mais quando somos constantemente levados para outros núcleos narrativos que nos lembram que estamos assistindo a um filme que já sabemos o final - acabando com qualquer senso de expectativa e tensão possíveis.
Abrilhantando o bom roteiro, o elenco é encabeçado por Wagner Moura que, constantemente, lembra a todos que é um dos atores brasileiros mais brilhantes que temos em atividade. Aqui ele compõe “Sérgio” como um homem de sorriso sincero e que, mesmo sem deixar transparecer fisicamente - Moura emagreceu consideravelmente para o papel - se impõe sempre que a situação exige. Reparem em como suas mãos constantemente estão descansadas ao lado do corpo e como, só com o olhar, ele consegue transmitir todas as virtudes e o senso de justiça do diplomata - imaginar que este é o mesmo homem que deu vida ao Capitão Nascimento é um exercício fascinante.
Já Ana de Armas é um achado que cada vez mais se consolida. A Cubana faz de Carolina uma mulher amorosa, preocupada e resiliente, e a escolha de guarda roupa faz justiça a sua beleza sem sexualizar-la em excesso. Apesar de o diretor não resistir em nos mostrar uma cena de sexo um tanto desnecessária, a química dos dois funciona suficientemente para que, em alguns momentos, “Sérgio” funcione como uma bonita e envolvente história de amor.
Também não resistindo em mostrar apenas o lado bom de “Sérgio”, Baker não consegue evitar que seu filme tome tons congratulatórios e indulgentes, mesmo que consiga justificar o motivo do diplomata merecer que sua história seja contada. Não apenas pelas boas atitudes que fez, mas pelo subtexto político que tornam as razões de sua morte um caso de dúvida até hoje, 17 anos depois.