Crítica | Cano Serrado
Filme assistido durante a cobertura do Brasilia International Film Festival (BIFF) de 2020, disponibilizado online pela organização devido a pandemia do Covid-19.
Um de meus gêneros favoritos nestes últimos 20 anos é o neo-western, cujo nome já diz, se trata de versões contemporâneas do bang-bang popularizado na década de 60.
Este “Cano Serrado”, escrito e dirigido por Erik Castro e parte da mostra Spotlight Brasilia no Brasilia International Film Festival (BIFF) de 2020, é uma tentativa brasileira de filme de gênero - o neo-western -, algo que considero muito bem vindo sendo que são poucos os que produzimos por aqui. Nele, dois policiais são confundidos por bandidos e tem as vidas postas em risco pelas autoridades locais e quanto menos souberem sobre a história, melhor.
Inicialmente lançado em festivais em 2018, conferi algumas críticas ao filme que, em sua maioria, destacam negativamente pontos que irei defender neste texto, mas acredito saber o motivo destas e começarei pela pergunta:
O quanto a trilha sonora pode impactar uma produção?
Pense em outros filmes deste sub-gênero como “Onde os Fracos Não Tem Vez” ou “A Qualquer Custo” ou “Animais Noturnos”, e perceba que todos tinham algo em comum além de sua brutalidade. Em cada uma destas obras o silêncio se torna uma ferramenta narrativa poderosa, pois nas paisagens áridas onde suas histórias ocorrem não há ninguém por perto, não há ajuda e, logo, o silêncio se torna um propulsor da tensão provocada pelos conflitos. Algo que Castro, infelizmente, não soube dosar em seu filme, cuja trilha curada por Patrick de Jongh (que curiosamente trabalha em outro filme entitulado “A Voz do Silêncio”) prejudica imensamente. Ao apostar em diversas composições regadas a um rock machão, e em uma batida que parece não cessar durante toda a projeção, de Jongh impede que sintamos as intenções e motivações de seus personagens pelo roteiro e atores, quase fantasiando uma história brutal de confronto épico.
Nesse sentido, “Cano Serrado” é exemplo de como uma pedra no trilho pode descarrilhar o melhor dos trens.
Porém recomendo, e muito, que deem uma chance a essa produção brasileira, pois mesmo com o incômodo provocado pela trilha incessante, tive de me revirar na cadeira por conta da tensão mostrada em tela - e sou um fã considerável do gênero, o que me impede de me contentar com pouco.
Mas brevemente voltando às criticas que comentei a cima, muitas se referem ao uso de tomadas aéreas que, é verdade, podem soar como balacas visuais pelos realizadores, mas também podem ser interpretadas como um modo de isolar ainda mais os personagens em meio a paisagem desolada a sua volta - algo que, dado a escolha certa de música ou o próprio silêncio, tomaria contornos mais do que inquietantes. Por outro lado, Castro aplica jump cuts que alteram levemente a composição visual, como diminuindo uma imagem, ou apresentando o caminhar de um réptil, algo que Godard utilizou em “Acossado” para enfatizar a beleza de seus momentos, mas, aqui não consigo formular qualquer motivo justificável. Enfatizar a visceralidade da situação e do cenário, talvez?
Porém o cineasta acerta em desconstruir outra máxima do gênero, que aposta em planos abertos para destacar a aridez das paisagens, aqui optando por planos médios que parecem se fechar nos personagens, passando uma sensação sufocante de claustrofobia - destaco uma sequência em especial, a noite, que parece sugar o personagem para dentro da escuridão -, mesmo que jamais deixem de lembrar aonde eles estão. Além disso, suas cenas de ação são eficazes e não vem como mera violência, mas como construções gradativas da crescente desavença entre os grupos antagonistas - com direito ao já clichê uso do close de olhares desconfiados em uma cena de tiroteio que, ao menos para mim, funcionou.
Castro consegue, também, construir uma histórica intrinsecamente complexa e que jamais lhe permite adivinhar o que acontece a seguir, sempre oferecendo novos pontos de visão que lhe farão repensar qual é o lado certo e qual o errado, por mais que não resista a metáforas óbvias como a que ocorre dentro de uma sala de aula - inclusive, todas as falas da bela Mariana Molina acabam servindo como auto-sermão, os quais a atriz quase consegue salvar. Ainda assim, as reviravoltas do roteiro surgem como baques no que se pensava anteriormente e, no final, apontam como, em uma situação como esta, não há bem ou mal, apenas os que sofrem com as consequências.
Com um elenco mais do que talentoso, onde cada ator sugere que há algo a mais por debaixo do uniforme, “Cano Serrado” apresenta uma amalgama de personagens clássicos do gênero, como o policial vivido por Milhem Cortaz, que quase sem falas é capaz de provocar medo pela presença e pelo olhar que impõe, ou os oficias caipiras interpretados de maneira inspirada por Cesário Augusto e Ronaldo Lampi. Já Jonathan Haagensen passa bem a imagem de homem justo e o sofrimento que faz transbordar é difícil de assistir, ao passo que o sargento Serrado, vivido por um sólido Sebastião Rubens Caribé, é odioso por mais que compreendamos em parte seu ponto de vista. Paulo Miklos traz todo seu estranho carisma mesmo que com pouco tempo em tela, e o casal composto pelo delegado de Fernando Eiras e a perita de Sílvia Lourenço transmite um senso apurado de justiça e zelo pelos seus. E caso eu comente mais do que isso sobre quaisquer deles, estaria entregando spoilers.
E por mais que Castro faça um belo uso de seus visuais e da estrutura linear da investigação que toma conta da narrativa, o único núcleo que pode ser chamado de brilhante é o que envolve a bela Naruna Costa, encarnando uma mulher impotente perante uma situação que lhe permite apenas rezar, não sabendo ela que, em histórias assim, nem a mais alta das preces é capaz de ajudar. Perceba como a mesma é enquadrada em espaços fechados, ou nos cantos das telas, ou próxima a cercas e grades, enfatizando sua impotência.