Crítica | Soccer Mommy - Color Theory
há algo completamente encantador e esquisito sobre a maneira com que que soccer mommy consegue se relacionar através de suas músicas: a ausência de coerção.
A temática clara do álbum, dessa vez, é sobre depressão, ansiedade e inseguranças. Uma investigação introspectiva do ser ajustado conceitualmente dentro das cores em que se visualiza (azul para depressão, amarelo para doença mental e física e cinza para um vazio existencial). Em seu primeiro álbum, Clean, ela deixa claro como por vezes relacionamentos podem fazer bem pro ego a curto prazo e em oposição se tornarem completamente destrutivos para a confiança e a identidade de alguém a longo prazo, ao mesmo tempo que se esforça ao máximo para limpar todas mágoas e inseguranças inseridas em sua cabeça (ou talvez inerentes dela). Aqui, em seu segundo projeto, mais maduro e polido, Sophie continua usando da delicadeza de sua voz e da confiança em um tom mais acústico para seus instrumentos dentro da mixagem como convite intimista para prestarmos atenção em seu desabafo.
O aspecto que automaticamente diferencia Sophie Allison em Color Theory - e consequentemente institui um deslumbramento irresistível para com sua música - é a leveza de suas melodias em contraste com a verdade crua de suas letras. Ela não explora todas as quinas de sua solidão, instrumentalmente falando, como acontece em por exemplo “True Love Waits” do Radiohead, que é uma das principais influências da cantora. No caso mencionado da banda britânica, é como se nos fosse imposto atravessar a tristeza em sua totalidade para tentarmos sair mais fortes dela de alguma maneira. Para Sophie, é mais sobre achar o balanço entre a beleza da vida (suas melodias) e os medos intrínsecos a ela (em suas letras e seus vocais).
“Remembering running through my yard like a wild stream
Just a little kid, blood flowing into my rosy cheeks
Now a river runs red from my knuckles into the sink
And there's a pale girl staring through the mirror at me
Maybe it's just a dream, wish I could go back to sleep”
Ela não se esforça para conversar com as nossas emoções, e não é como se gostasse da atenção. Se envolver com o que Sophie escreve é puramente condicional, justamente por ser pessoal no nível mais extremo da palavra. A primeira faixa, “Bloodstream”, com sua linda melodia e sua instrumentalização contida, porém jovial, se opõe ao triste saudosismo de lembrar como era não sentir sintomas de ansiedade correndo por seu corpo e sua cabeça, sendo basicamente uma ponte imediata de comunicação com quem já passou por isso. Quando ela não se reconhece no espelho, no primeiro verso, vendo ali uma figura reminiscente de quem um dia possuía alguma cor em suas bochechas, quando o refrão é tomado por pontos de interrogação sem respostas e quando a primeira pessoa do singular figura na maioria dos seus versos e o “nós” não é visto durante sua narrativa, Soccer Mommy também nos diz algo em especial. Em entrevista para Nardwuar em 2018, a cantora mencionou que seu maior objetivo como musicista seria escrever letras com que as pessoas se identificassem, porém implicitamente, Color Theory é muito mais o ponto médio entre um pedido de ajuda e um estender de mão, do que o segundo propriamente dito.
É quase um processo auto-confessional e terapêutico para si própria. Não há urgência em nada na música de Sophie que diga “eu quero ser ouvida”, nem mesmo as iniciais das palavras presentes nos títulos das músicas que compõe o LP. Todas letras são minúsculas.
Por um lado, isso se torna frustrante, para qualquer amante de música, pelo talento gritante, tanto escrevendo quanto tocando,, mas por outro é extremamente verdadeiro consigo mesma. Tal ausência de coercitividade em sua abordagem se relacionam com o método apresentado por Justin Vernon em For Emma, Forever Ago. A dor é passada através da inércia e não da intensidade de suas vozes, e panoramicamente o que se torna mais marcante no projeto de Soccer Mommy é a caracterização de sua imagem como artista, onde justamente sua voz não precisa vencer o vazio se suas emoções, ou compensá-las. Apenas abraçá-las.
“circle the drain”, muito mais upbeat que a primeira faixa do álbum, com sons de drones acompanhando a guitarra cintilante e otimista de Sophie, que evoca muito uma mistura de Pop 2000 com a instrumentalização de Red de Taylor Swift, é quando o esforço para sair do gigante e solitário, embora claustrofóbico, mar azul em que se encontra busca impulso na aceitação de seus sentimentos. Seguido pela crua e até incomodativa “royal screw up”, o minimalismo dos instrumentos nos levam involuntariamente a prestar atenção no desabafo expositivo - sem refrões, somente um verso durante 4 minutos - da cantora:
“You're just not what I want, And I want an answer, To all my problems; But there's not an answer, I am the problem for me, now and always”
“I don’t think so. I don’t feel comfortable very often with open, emotional, gushy discussions. It’s very hard for me to not feel extremely awkward doing that.” Sophie Alisson, para Pitchfork
Recentemente em entrevista para “Pitchfork”, Sophie deixou claro que não gosta de falar muito sobre emoções. Se sente estranha fazendo isso, o que concebe uma aura ainda mais encantadora sobre a sua obra. De uma jovem por vezes desconfortável sob sua própria pele, a tranquilidade para se abrir por intermédio de suas composições se torna inato de seu próprio ser.
Em “yellow is the color of her eyes” onde sua guitarra mais abundante e viva do que nunca, junto as texturas por vezes calmas, por outras explosivas de Mellotron, Wurtilzer e sintetizadores (todos tocados por Sophie) trazem consigo a sensação de dor física que a cantora quer representar através da cor amarela, cor dos olhos de sua mãe. Me nego então a comentar sobre, não me chamando Soccer Mommy, pela gigantesca pessoalidade que tange tal tópico.
Em “lucy”, uma alusão clara aos demônios em sua cabeça, pela primeira vez a cantora parece pré-determinada a ser ouvida - mesmo que não por nós mas por si mesma -. Alisson, ao repetir exaustivamente a progressão dos acordes de sua guitarra elétrica, tanto no verso quanto no refrão, transparece sua fadiga ao tentar se entender como pessoa. Na última faixa do álbum “gray light”, não há um desfecho categoricamente otimista. Nem haveria porquê. Ao mesmo tempo que abre a música cantando “Looking at you, Watching the shriveled flower you bloomed, I feel it too, Inside the gray light of my room” a cantora admite, em contraposição imediata em seu refrão, não conseguir se livrar da sensação de estar afundando. Pela primeira vez trazendo camadas de sons mais computadorizados e os juntando com acordes imensamente intimistas e tênues de seu violão, o álbum acaba de maneira abrupta e chocante.
Condizente com quem é como pessoa, talvez Soccer Mommy como artista nunca quebre a parede do mainstream exatamente pelo aspecto citado no primeiro parágrafo deste texto. Ela não busca isso. Embora possua um aspecto comercial notoriamente identificável (Sua voz aveludada, quase falada, caberia no mesmo nicho pop mais industrializado de Clairo, por exemplo), ela não apela para que a ouçamos. Se sua principal característica é falar de sensações incômodas, que faça isso da maneira que mais ache identificável e confortável para si mesma.