Crítica | Banho de Sangue (A Bay of Blood)

ALVORADA DA MORTE

Em seu filme mais celebrado, Mario Bava dá luz ao slasher


Quando o indivíduo começa a conhecer a história do Cinema, há sempre aqueles diretores que preferimos olhar da beira, sem nunca mergulhar de verdade nas águas de seus filmes.

Como essa metáfora tosca deve ter deixado claro, não sou um grande entusiasta de Mario Bava, diretor Italiano que, ao lado de Dario Argento, foi dos principais nomes no desenvolvimento do Cinema de Horror, especialmente do Giallo, precursor do Slasher norte-americano.

Algumas de suas tendências como diretor de fotografia são, ao menos pra mim, empecilhos para o desenvolvimento da mise-en-scène de seus filmes: se A Maldição do Demônio (1960) mostrava os cenários terrorísticos ala Jean Cocteau, como que falando “olha só como eu criei todo esse ambiente aqui…”, A Cidade dos Mortos (do mesmo ano!) faz praticamente o mesmo filme, com cara de orçamento menor, mas oferecendo uma experiência sensorial que torna o vilarejo amaldiçoado algo verdadeiramente aterrorizante.

Acho que ele se dá melhor em filmes mais diretos, e simples, como Seis Mulheres Para o Assassino e o primeiro média de As Três Máscaras do Terror, do que quando tenta contextualizar um folclore próprio à produções maiores.

Justamente por isso, Banho de Sangue é meu favorito de seus filmes.


UM FILME DE EXCESSOS PRÁTICOS

Apesar de não haver certeza sobre qual exato filme deu origem ao Slasher - porque não há momento exato -, Banho de Sangue é um dos principais candidatos.

Se Bava não consegue, em vários dos filmes que citei acima, evocar o voyeur assombroso de Hitchcock, ou torná-lo essencialmente estilístico como faz Argento, aqui ele se aproxima ao construir um assassino que toma forma apenas no final, servindo quase como uma entidade suprema naquele lugar apodrecido. A tal baía não é convidativa, com suas cores mortas e seus planos médios que sugerem galhos demais e paisagens abertas de menos (quase como se Bava recusasse a si próprio), e as locações abandonadas só não escancaram mais o abandono do que as pessoas, que parecem contentes vivendo em um canto tão específico do mundo que nem fazem parte dele.

Mas seu interesse é menos em dar tapinhas nas próprias costas pela ambientação e mais em utilizá-la como palco. Assim, as mortes - uma mais inventiva que a outra - se tornam uma série de rituais que materializam a energia macabra do lugar, que podem até divertir, mas deixam desconforto suficiente para que o nosso olhar violador se sinta culpado.

A cena da guria pelada entrando no lago é talvez a melhor da carreira dele, onde sequestra nossa visão de espectador e vai além do Thriller e do Suspense. É um momento quase onírico, com a meia luz do entardecer sugerindo uma alvorada da morte, que começa seu dia conforme ele acaba. Ali, o Giallo e o Slasher se abraçam e tomam forma, carregando a década de experimentos com o olhar (proporcionada por Vertigo) em sua essência, mas rejeitando o clássico completamente. É Psicose e A Tortura do Medo, mas sem o psicológico, só o físico.


UM FINAL AUTO-CONSCIENTE

Nem importa tanto quem mata quem, ou por quem matam quem. Quando chegam as revelações elas já são esperadas, e se elas impressionam menos do que em alguns dos filmes que mencionei lá em cima, é só porque já foram tão assimiladas no processo que se tornam uma formalidade - essencial, claro, mas que não deixa de ser uma formalidade.

O que torna o final ainda mais perturbador e simbiótico com a estética de todo o filme.

*spoilers a seguir*

Com seus assassinos mortos por seus próprios filhos, que acham que tudo não passa de uma brincadeira, a Baía de Sangue do título original denúncia sua natureza cíclica, de um lugar amaldiçoado e que não produz nada a não ser águas vermelhas, manchadas pela própria história do Cinema da qual se inspira e que inspirou as décadas seguintes em forma e natureza.

Havia espaço no Cinema para mais do que apenas o olhar “invasivo”, e a rede de acasos que nos envolve com os eventos observados. Era um momento onde todos já estavam obcecados demais para não se aproximar e tomar em mãos o que antes era apenas voyeurismo. Uma alvorada para o Slasher, o Cinema das mortes.

8.8

Anterior
Anterior

Quem vai ganhar o Oscar 2022?

Próximo
Próximo

Crítica | Drive My Car