Crítica | Fragmentado
Escrito, dirigido e produzido por M. Night Shyamalan. O medo que essa frase passou a proporcionar nos últimos anos era inacreditável.
Filmes como "Fim dos Tempos'", "Depois da Terra" e a abominável adaptação de um dos melhores desenhos animados dos últimos anos em "O Último Mestre do Ar". Shyamalan estava entrando na lista das maiores busts da história do cinema. Diretores com extremo potencial que simplesmente caíram drasticamente de qualidade nos anos seguintes. É verdade que com "A Visita", de 2015, ele pareceu retomar um pouco de controle, mas é aqui, em "Split", ou "Fragmentado", que ele se redime por seus erros. Ou quase todos.
O filme tem seu personagem, e não sua história, baseada no caso real de um homem com diversas personalidades (Billy Milligan é seu nome), o mesmo que será interpretado por Leonardo DiCaprio em um filme que deve rendê-lo uma indicação a Melhor Ator no futuro. James McAvoy interpreta Kevin Wendell Crumb, um homem com 23 personalidades distintas que rapta três garotas e as prende em um local isolado. Lideradas por Anya Taylor-Joy como Casey Cooke, elas devem desvendar a condição de seu sequestrador para tentar escapar.
Shyamalan sempre gostou de filmes fora do comum e esse é outro exemplo. Em momento algum a história indica ser sobre algo sobrenatural, mas ele faz com que o jogo de câmeras, que abusa no enfoque de rostos, e a cinematografia sempre sugiram que há algo a mais por trás de cada olhar, ação e diálogo. Ele se utiliza muito bem de todos os cenários, ocupando os de forma que revelam mais detalhes sobre a história sem que isso seja explícito, mas nunca ficam realistas o suficiente para se perder o tom quase absurdista que o longa provoca.
Shyamalan se preocupou em não perder tempo, instalando a ideia principal do filme logo em sua primeira cena, e isso compensa muito, pois a história em si já é interessante o suficiente sem precisar de qualquer introdução. O ritmo é calculado e, apesar de as coisas acontecerem lentamente dentro do curto período de tempo, não existem cenas paradas ou que te desviem do interesse provocado pela história central. Há um forte senso de curiosidade e até mesmo uma apreensão, que fica além da experiência cinematográfica, quando o roteiro tenta explicar a condição mental do personagem de McAvoy. No entanto, não há uma tensão constante, e fora uma cena de jumpscare, raramente o filme dá medo.
O suspense de "Fragmentado" funciona graças ao excelente trabalho de seu trio de atores principais, se utilizando da melhor forma possível do roteiro e direção.
McAvoy está simplesmente espetacular, me chamem de louco, mas sua atuação aqui perde para apenas dois dos últimos indicados ao Oscar de Melhor Ator (premiação de 2017). Suas expressões faciais mudam drasticamente de personalidade para personalidade, e o mais impressionante é a forma súbita que isso acontece. Ele entra perfeitamente em cada uma delas, abusando de trejeitos, modos de falar, a própria voz e uma excelente linguagem corporal. É um trabalho assustador, que é coroado com um final enervante, quando a 24ª personalidade aparece (O momento Gollum é sensacional).
Shyamalan fez bem em colocar como contra ponto uma personagem inteligente em Casey, abrilhantada pelo talento de Taylor-Joy e que não precisaria dos incômodos e desnecessários flashbacks para que seu sofrimento passado fosse contado. Também foi inteligente em deixar com Betty Buckley o papel da psiquiatra de Kevin, a qual passa uma relação quase fraterna com ele e protagoniza fortes jogos psicológicos, que quase atingem a tensão que o filme "falha" em não provocar.
Se existem falhas aqui é difícil dizer, pois talvez tudo tenha saído como Shyamalan planejava. Existem algumas inconsistências de ritmo, o filme se desenrola em três cenários diferentes, algo que funciona, mas a falta de momentos altos de tensão o deixam um tanto homogêneo. O ato final eleva o nível de absurdismo ao extremo, apenas não se perdendo graças ao excelente trabalho de suas estrelas. Os diálogos raramente são esticados mais do que o necessário para que suas ideias sejam passadas, algo que impede o filme de ser mais profundo, e a própria forma como a condição de Kevin é tratada deveria ser mais delicada, mas de novo, Shyamalan fez tudo do jeito que queria. Quanto ao final? Partirei do princípio que você ainda não o assistiu, então apenas uma dica: tente assistir a todos os filmes considerados bons do diretor antes deste.