Crítica | A Mão de Deus

de maradona a Fellini

Paolo Sorrentino cria um filme sobre recordações e inspirações


Na introdução de A Mão de Deus, julguei que Paolo Sorrentino contava uma mentira. Maradona, o maior jogador de futebol de todos os tempos, o diretor escreve antes de iniciar o filme.

Mas nas duas horas subsequentes, a frase não apenas ganha contexto, mas se torna incontestável. Para Sorrentino, vivendo em Nápoles na época mais difícil da vida (o fim da adolescência), no momento em que o clube estava prestes a anunciar a contratação do Argentino, não há outro jogador… ou melhor, ser humano, que se iguale ao que foi Maradona - nem mesmo sua musa, em uma cena hilária e comovente ao mesmo tempo.

E essa relação entre esporte, vida e arte é o que rege A Mão de Deus, um filme que tem em seu nome também a conotação de que talvez haja alguém por trás de tudo. Afinal, não há roteiro de Cinema, seja ele de Buñuel ou Fellini, que se aproxime da insanidade que foi o jogo em questão, quando Maradona “humilhou” a Inglaterra em uma partida que representa, além de um conflito político, a genialidade e a personalidade do ídolo. Um gol de mão, a malandragem sul-americana em um roubo ao melhor estilo Inglês Colonizador, passando impune e com reverencias (o tio dizendo que foi um ato político é algo). O outro uma pintura (só) com os pés que faria Picasso e Pelé pensarem se não haviam sido superados.

Assim seria fácil dizer que é um filme sobre mitos, sobre o poder inigualável do esporte e da arte em mover pessoa e pessoas, de inspirar e de unir. Na verdade, até acho que Sorrentino teria um filme ainda melhor se abusasse mais dessas relações. No fim, não há qualquer catarse que se aproxime do que o lance que dá nome ao filme merece, e ao contrastar e correlacionar uma série de sub-tramas, o diretor mira em Fellini, mas o faz sem a graça da maturidade que aquele tinha. Em um filme adolescente, esse misto de emoções e jornadas acaba soando só bem aborrecido, no que em 81/2 ou A Doce Vida beijava o existencialista e dormia com o reflexivo.

UMA AUTO-BIOGRAFIA DE SENSAÇÕES

Apesar de não ser sequer vendido com a biografia do cineasta, fica bem claro que é tudo sobre ele. Tanto por questões geográficas (o período e a cidade) como situacionais (a morte dos pais). O que torna o filme uma experiência mais do que curiosa: é como uma cinebiografia (ala Oscar, mas) composta por fragmentos e sensações, mais preocupada em emular a dinâmica de uma família tão característica que beira o estereótipo (digo isso como elogio), do que oferecer batidas óbvias na história que sugiram o amadurecimento de seu protagonista. É menos a viagem na lancha (essa que homenageia as comédias clássicas do país), e mais o barulho que a lancha faz. São as pequenas coisas, a imagem de uma tia nua sob o sol, a viagem de motocicleta até a casa da tal tia no meio da noite, um jogo qualquer do Napoli.

Nesse sentido, me lembrou bastante Dor e Glória de Almodovar, em como consegue amar seu próprio passado, mas o faz com uma ternura e inocência que impedem a coisa de se tornar pedante.

Algo que as cenas mais trágicas quase corrompem. Pelo menos pra mim, o filme funciona melhor nos momentos de desprendimento, nas abstrações geralmente iluminadas por luzes quentes, e menos na sobriedade das tragédias inevitáveis. O que faz com que o diálogo com o diretor ao final se torne quase uma auto-ironia e um tiro no pé: ele parece questionar não apenas a capacidade de Sorrentino (nem sei qual o nome que deram pro personagem) de sofrer, mas do próprio filme em nos fazer sentir esse sofrimento.

O que, contrariamente, acaba sendo uma conclusão conceitual que enriquece o filme. A Arte é a última das saídas que pode tornar a vida de alguém “grande”, e no momento que Sorrentino parece calcular mentalmente a impossibilidade de se tornar um novo Maradona, ele mira no mais próximo disso mesmo que, como diz, tenha visto três ou quatro filmes apenas. É como se o próprio filme reconhecesse que, assim como a vida, a arte só pode ser aperfeiçoada não com as dores e alegrias, mas com a maturidade para compreendê-las. Assim, se aproximando mais de Fellini do que as cenas em catedrais e sets de filmagem que parecem regravações de seus filmes já mencionados.

E comprovando que é um filme que funciona mais na pureza do pequeno que na intensidade do grande, Sorrentino abana para o mongezinho que parece ter uma função só no filme: elevá-lo além de uma trágica experiência mundana.

Afinal, regendo tudo, há a mão de deus.

8

Anterior
Anterior

Crítica | Make Way For Tomorrow

Próximo
Próximo

Crítica | Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel