Crítica | BROCKHAMPTON - SATURATION III

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No terceiro álbum da boy band mais original desde talvez a primeira boy band já feita, o grupo usa de todo seu talento bruto para entregar um dos melhores projetos de 2017. 

Talvez poucas histórias na indústria tenham sido mais interessantes em 2017 do que a saturação provocada por este grupo originado no Texas. Três álbuns em um ano não é uma novidade, Future e Young Thug já fizeram coisas parecidas anteriormente e, é claro, The Weeknd e suas três mixtapes entre 2011 e 2012 que se tornariam Trilogy. Talvez ele tenha servido de influência para todos estes artistas, incluindo BROCKHAMPTON e, no caso da boy band, há outra semelhança, o fato de todos os projetos serem genuinamente bons. 

Não, eles não mudaram drasticamente os assuntos trabalhados nos predecessores de seu terceiro álbum de estúdio e também seria pedir muito. Grandes artistas transformam suas vidas em boa música e não muita coisa poderia ter mudado em um espaço de um ano. A fama sim, a estratégia deu certo e o grupo não parece propenso a desaparecer dos olhos do mainstream, pelo contrário, a tendência é ter um salto de popularidade para seu já confirmado quarto álbum e este único novo aspecto que poderia diferenciar um projeto do outro permeia, de forma considerável, tudo que foi feito aqui. 

A identidade do grupo já estava bem construída e aqui eles não apenas a mantém, mas mostram que há muito espaço para reinvenção dentro de seu já original som. Poucos álbuns de rap este ano ofereceram uma atmosfera sonora tão experimental, o disco é repleto de combinações musicais ricas e que transformam o aspecto sonoro do álbum em algo colorido e jovial, tanto em momentos de levianidade como de drama, elementos obrigatórios da pós-adolescência. As influências são claras, obviamente Kanye West, mas claros traços de Frank Ocean, Tyler The Creator e Outkast podem ser observados. 

A faixa de entrada, a excepcional e imparável "BOOGIE", é algo que só poderia ser feito após as primeiras levas de sucesso que os atingiram. As letras são apenas um serviço para a musicalidade insana, repleta de trompetes extremamente altos, uma linha de baixo pesada e sintetizada, uma batida que lembra percussão e sirenes que não param em momento algum. Aqui a platina e ser a melhor boy band desde One Direction são seus troféus e após um ano tão bem sucedido é difícil querer contestar isso.

Kevin Abstract adiciona, com poucas palavras, nO refrão de "Boogie" todas as camadas necessárias para que essa possa ser considerada sua melhor música até agora e um dos melhores singles de 2017.  

Essa insanidade continua em "ZIPPER", onde o sucesso ainda está no alto de suas cabeças. É divertido ver como, diferente de praticamente todos os rappers nascidos nos anos 90, eles não tem medo ou receio em mencionar seus ídolos ou quem os ajudou a chegar aonde chegaram, mesmo que essa pessoa seja um blogger que gostou de seu trabalho. E se há pouca profundeza nas letras, entre as habilidades mais memoráveis do grupo está a facilidade de Kevin Abstract em transformar os refrões em sínteses dos conceitos de cada faixa, sem nunca perder a cativação. 

Quando eles retornam à composições mais pensativas o estilo da produção não permite que pareça redundante ou cansativo.  Em "JOHNNY" o jazz é combinado com baixas batidas de 808, arranhões de disco e um piano que levemente lembra "Heard'em Say" de Kanye, uma atmosfera que combina perfeitamente com a introspectividade das letras, contextualizando os medos de crescer e as responsabilidades e sonhos que vem junto. Antes Abstract queria ser Tupac, agora ele quer ter seu próprio apartamento. Joba é ansioso, impaciente e sempre quer algo novo, e odeia o jeito que está se sentindo. Ameer Van está sozinho porquê não se encaixa com os outros. Tudo isso nas mãos dos artistas errados e seria insuportável ouvir estas letras, mas eles não parecem mais tristes do que conformados e até divertidos com isso. 

A sequenciação da primeira metade do disco é muito bem estruturada. Em "LIQUID" eles seguem os temas pesados sobre uma batida sinistra e com performances emocionalmente carregadas ao falar sobre suas vidas antes da banda. Em "STUPID" uma flauta e notas altas no piano acompanham a posição do grupo sobre a homossexualidade aberta de Kevin Abstract, sempre firme, mas sem procurar pena para se fazer valer. "BLEACH" é quase uma balada, com fortes elementos R&B e uma atmosfera repleta de backing vocals, agradável o suficiente para se trabalhar as dúvidas existenciais que cada um dos membros traz consigo. "ALASKA" é pesada e construída em cima de uma batida pesada perfeitamente sincronizada com o que parece ser um celo, com os membros contrastando sua vida de agora com o passado. 

Existem poucas coisas que podem ser realmente interessantes na vida de um jovem adulto, o grupo sucede justamente em transformar suas incertezas quanto a si mesmos sem parecer forçado ou sentimental em excesso.

Além de realizarem diversas trocas de sons dentro de uma mesma faixa, o grupo consegue trocar o rumo do álbum sem perder o foco ou o efeito de continuidade. "HOTTIE" é provavelmente sua música mais pop até o momento, possuindo uma batida e construção sonora que poderia sair da combinação de Teen Dream com Max Martin, o refrão é contagioso e o verso cantado de Joba funciona muito bem. A faixa parece ao mesmo tempo um preparativo para uma festa e uma jornada ao entendimento da vida de cada um.

Ainda é um talento muito bruto e, mesmo que a grande maioria dos versos seja realmente bem escrita, ainda existem algumas tendências de rappers pouco experientes, como tentar reafirmar e confirmar se o público entendeu o que eles quiseram dizer. Há um flow característico do grupo, que lembra muito Chance The Rapper em "Blessings (Remix)", sendo utilizado principalmente por Ameer Van. As participações de Joba funcionam como uma luva quando em outros ou pontes, resta saber se ele vai se contentar apenas com isso. Matt Champion e Don McLennon se mostram excelentes jovens talentos e arranham momentos cantados de forma eficiente, mesmo que nem todos os seus versos encaixem. Merlyn Wood se prova o mais inconsistente, não aproveitando o pouco espaço que tem.

O idealizador do grupo acaba por ser seu personagem mais interessante e talentoso. Kevin Abstract, um jovem negro e homossexual, que se auto-denomina um jovem Zuckerberg, é responsável pela maioria dos refrões, outros, intros e dos versos mais memoráveis. Sua persona é estabelecida de forma clara em suas letras, mesmo que ainda hajam diversas camadas mais difíceis de serem desvendadas.

Diferentemente de outras boy bands, esta é uma que teria muito a contribuir caso decidissem se separar. 

Em "SISTER/NATION", faixa inspirada por Tyler The Creator e seu costume de fazer faixas duplas na décima de cada álbum, a primeira parte lembra uma versão soft de "Yeezus" com Merlyn Wood tendo um ótimo e pesado verso no começo "That's why I'm pure to some, a psychopath to others /And grew up in counselling, flipping off my counselors". Matt Champion toma conta dos sons eletro e lembra positivamente uma mistura inusitada de 2 Chains e Big Boi. Já na segunda parte Ameer Van está idêntico à Tyler, onde ele e Abstract dissertam sobre perceberem as diferenças que sofrem por serem negros, contando com um excelente verso de McLennon, misturando aspectos metafísicos e mundanos.

O álbum perde fôlego no final, especialmente após "RENTAL", onde um excelente verso rimado/cantado de McLennon traz o estilo do grupo para o R&B do século 21, sendo o único destaque. "STAINS" e "TEAM" não fogem do estilo, mas não mantém o mesmo nível do resto do álbum. Uma interlude de Ashlan Grey, na primeira, resume um tanto do grupo, onde ele fala que após três álbuns o assunto ainda é o mesmo, um rimando sobre ser gay, outro sobre ser um traficante outro tentado ser o Lil Wayne. Apesar de a faixa não ser marcante, a presença deste verso é uma peça fundamental para entender seu próprio pensamento quanto a si próprios, de não levar realmente a sério tudo o que estão fazendo. 

O fato de "TEAM" conectar com a primeira música de "SATURATION" afim de construir um loop não é uma ideia que pareça necessária. Foi possível perceber um amadurecimento musical incrível do grupo durante 2017, e levar as coisas de volta para o início talvez não seja o melhor jeito de terminar a trilogia, mas não é algo que apague a riqueza deste trabalho.

BROCKHAMPTON é um dos maiores talentos a surgirem em um ano cheio deles e fecha a idealização do grupo com um dos discos mais originais e apreciáveis de 2017. 

8.4

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