Crítica | Eminem - Revival

Dois dos maiores rappers e artistas da história lançaram seus primeiros álbuns em quatro anos e talvez os últimos antes de completarem meio século de idade cada. É impossível não traçar um paralelo entre Eminem e Jay-Z.

Um foi o gênio da controvérsia, atingindo uma enorme popularidade por ser o artista mais polêmico do planeta. Outro o gênio do calculismo, nunca deixando sua imagem sair da mente de seus fãs, nem prejudicando sua reputação como pessoa para se manter relevante durante tantos anos. Agora, mais de uma década longe do auge de suas carreiras, também fica claro quem conseguiu lidar com a idade melhor. Enquanto "4:44" é um artefato onde Jay-Z reflete sobre sua vida, carreira e cenário mundial do hip-hop em 2017 com muito a se arrepender, mas também muito do que se orgulhar, "Revival" é mais uma tentativa de Eminem de confrontar suas tendências no início de carreira que hoje lhe parecem tão absurdas.

A diferença é, Jay-Z encontrou um jeito de fazer a ferrugem soar eficiente e somar às suas reflexões, enquanto Eminem tenta achar novos caminhos, mesmo sendo tarde demais para isso.

Tentar se reciclar, mesmo depois de anos, não é errado, mas ele claramente está sem direção alguma e, na verdade, não está mudando nada. Seu, já comentado neste site, amor por álbuns longos continua, a má organização das faixas é algo fácil de ser notado e todas elas tem a mesma estrutura verso-refrão. Suas deliverys são uma extensão do que começou em "Recovery" e se desenvolveu em "MMLP2", com ele cortando sua própria voz abruptamente, quase engolindo e encurtando palavras, por vezes ele não consegue se decidir quem é o artista que está realmente rimando cada um de seus versos. O brilho de seus primeiros três trabalhos não estava exatamente no que ele falava e sim como falava. Suas performances eram recheadas de uma alegria irônica, contagiante, e seu jogo de palavras e rimas eram tão inteligentes como quase ninguém no rap. Agora, que as mensagens e objetivos são realmente bonitos e relevantes, ele os torna tão atrativos como uma rocha. 

"Untouchable", por exemplo, é uma maravilhosa contextualização do racismo na América vindo de um artista, dito por muitos, favorecido por sua cor, com letras extremamente bem pensadas e bem vindas, ainda mais em 2017, mas a execução é fraca, com Eminem trocando diversas vezes o estilo de rima, incerto do que realmente vai funcionar. Sua tentativa no trap em "Chloraseptic" é louvável, pois acredito que todo bom rapper de antigamente não seja fã do mumble rap, mas ele claramente não está em casa aqui. Já em "Need Me" ele lembra vagamente seus vocais em "Marshall Mathers", carregados de uma raiva e emotividade controlados. Essa falta de consistência não passa por ecleticismo dele como artista, afinal todos sabemos de suas muitas habilidades, ela só representa sua dúvida sobre que foco dar a seu novo projeto. 

Um exemplo claro da falta de direção do álbum está em como as participações são utilizadas, na maioria das vezes em refrões sub-escritos, que não fazem nada para impulsionar as faixas a qual são designados. Na melhor delas Beyoncé e sua voz maternal tornam o refrão simplório de "Walk On Water" a única coisa capaz de prender sua atenção no primeiro single do álbum, aquele que deveria ser o mais atrativo. Nele, Eminem comenta as dificuldades em sua carreira desde "Relapse", sempre enfrentando altas expectativas e não sendo capaz de atendê-las, ele se questiona se é por conta do alto nível que atingiu tão cedo, mas a resposta já está dada antes mesmo dele realizar a pergunta. Além de seu flow aqui parecer a conversa que Macklemore chama de rap, comparar a pressão da indústria com calças caqui e sua mania infantil de conectar versos com refrões por meio de "because" "cause" e "so" são impossíveis de se entender ou defender. 

Outros nomes aqui são uma nada aproveitável Alicia Keys, uma interlude incomodativa de Skylar Grey, péssimos vocais de P!nk, nomes pouco conhecidos X Ambassadors e Phreshner, a novata Kehlani e por incrível que pareça, o que mais encaixou com o sentido de sua participação, Ed Sheeran, um provável hit... infelizmente. 

Antigamente já culpei a produção por baixar o nível de seus álbuns, outras vezes Eminem foi o culpado, já aqui é uma combinação de forças. Dois dos melhores produtores de todos os tempos, Rick Rubin e Dr.Dre tem como ideia para "Remind Me" um sample de "I Love Rock 'n' Roll"? Really? Já em "Tragic Endings" a batida nebulosa encaixa com a performance e os vocais de Grey, mas as rimas não ajudam. "River" relembra negativamente "Recovery", "Bad Husbands" negativamente algo não terminado. 

Mas de longe o que mais impressiona neste álbum é o pessimismo que Eminem tem contra si mesmo. "All my life, I was told, I was never nothing special / I don't need to be reminded of it every other second" ele fala em "Remind Me". É como se a confiança, antes seu ponto mais alto tivesse desaparecido, como se a cada troca de cadência ele estivesse tentando se adaptar, como se cada rima fosse uma tentativa de se provar relevante. Em "Walk On Water" ele fala em não ser enviado por Deus, não ser Nas, Rakim, 'Pac, B.I.G. e até mesmo Prince. Antigamente ele mesmo nos lembraria que pertence à este seleto grupo. 

Nas últimas duas faixas, "Castle" e "Arose", é como se víssemos um flash do artista que ele foi um dia, mas não me deu mais esperanças do que conformidade. Aquele é um Eminem que funcionava em "The Eminem Show" amargos 15 anos atrás, que, mesmo que esteja perdido dentro deste artista que deste então se marcou pela mediocridade, não sugere que haja qualquer chance de mudança para melhor. 

Algum dia teremos Slim Shady de volta? Não, ele é mais velho e mais sábio hoje em dia, tem duas filhas, se afastou das drogas e, principalmente, o mundo não aceitaria muitas das coisas que ele costumava falar. Bom, isso não é certo, sendo que um branco com a coroa de espinhos de Jesus tatuada na testa cantando sobre pegar mulheres e usar drogas tem a música número 1 nos Estados Unidos. Maravilhoso era o tempo onde Eminem era o único rapper branco e, definitivamente, não tentava ser Jesus, mas o próprio Eminem. 

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