Crítica | Belle
UMA BELEZA ESCANCARADA E VAZIA
O novo filme de Mamoru Hosoda se perde em sua própria grandiosidade
Mamoru Hosoda fez duas das minhas animações favoritas do século 21 na década passada com Crianças Lobo e O Garoto e o Monstro, e como havia apagado da memória que Mirai havia sido seu último filme, logo me animei para minha primeira cabine desde 2019 (mesmo que essa tenha sido online).
Belle dá sequência aos temas abordados nestes três filmes e, de certo modo, à estreia de Hosoda, quando transformou uma propaganda em um belo curta do Digimon, isso lá em 1999. Uma menina introvertida, órfã da mãe, se torna uma celebridade em um jogo de realidade virtual até que um misterioso dragão-lobo-touro ameaça a paz no digimundo.
UM MAXIMALISMO DESPROPORCIONAL
Se seus filmes anteriores (incluindo Mirai, do qual não gosto) conseguiam se aproveitar de universos e situações mágicas sem necessariamente explicar suas regras, Belle sofre disso em todas as suas escalas. Desde os cenários abarrotados de informação, mas que jamais fazem qualquer sentido ou provocam qualquer interesse, ao perigo apresentado pela tal Fera que nem parecia tão má assim, é difícil entender porque a história move e, pior ainda, se comover com seu movimento. Emprestando dos visuais de Paprika (e A Origem), mas jamais chegando perto do que o filme de Kon (e Nolan) consegue fazer tanto conceitual, como formalmente, o tal mundo de U soa tão convidativo como aquele povoado pelos Emojis - aliás, o digimundo original é infinitamente mais interessante.
Mesmo que um plano ou outro impressionem (afinal, o filme parece fazer questão de mostrar o quão alto foi seu orçamento), a sensação de ver Shizu cantando para aquelas muitas luzes, ou a dança entre ela e a Fera, soam mais como tentativas de pescar emoções com visuais reconhecíveis e readaptados do que mostrar momentos genuínos onde estas mesmas emoções possam ser sentidas.
Outro exemplo muito mais bem sucedido é o recente Palavras Que Borbulham Como Refrigerante, que consegue conectar o dia a dia de seus personagens com o mundo virtual de maneira não só orgânica com os sentimentos e personalidades de cada um, mas os unifica com a abordagem que lembra quase o que Ozu faria se fizesse uma animação - e tivesse uns netos o incomodando pra fazer algo feliz e colorido. Aqui o comentário sobre a nova sociedade virtual não chega nem a ser raso (o papo da polícia é uma canseira), ele não existe mesmo.
UMA ABORDAGEM INDECISA
Hosoda falhar em tentar um filme tão maximalista me decepciona menos do que ele falhar em escolher a abordagem central da narrativa que, claro, remete à Bela e A Fera, mas pouco faz para atualizar os temas do conto que a Disney abordou com melhores resultados. Pior ainda, se aproveita de sua iconografia para tentar uma reviravolta barata que joga um filme pomposo e propositalmente tosco em uma direção dramática que não convém - o tipo de tragédia domiciliar que ele já havia tentado em O Garoto e o Monstro, mas naquele filme com uma roupagem de Horror que tornava tudo ao menos intrigante.
Se aquele e Crianças Lobo tratavam a passagem do tempo com cuidado (o primeiro com ações cotidianas, o segundo com uma clássica sequência de treinamento), Belle sofre de uma edição nada paciente que jamais permite que sintamos as emoções que afetam Suzu, tornando sua fuga para o mundo digital um acontecimento quase trivial, e não justificável por conta de um mundo real pesado demais para uma adolescente - seja este por saudade da mãe ou só pelas dores do crescimento que todos sentimos um dia. A impressão é justamente que, com uma montagem mais competente, o filme se resolveria em seus vários núcleos, pois há bastante material de qualidade aqui.
Porém o fato de o editor, Shigeru Nishiyama, continuar na função me faz pensar que o problema maior foi mesmo a decupagem de Hosoda, espalhando os dramas envolvendo pai, namorado, identidade e mistério de maneira que se cancelam, e não se somam. Assim, quando Belle começa a cantar flutuando em um estádio, eu, como bom fã de musicais (não), me lembrei de Annette, e se naquele a estranheza me manteve mais do que engajado, nesse o piegas (que eu geralmente gosto) me fez virar o olho diversas vezes.