Crítica | A Batalha de Argel

cinema total?

Filme passa por cima da imparcialidade ao mostrar pontos de vista diversos e se aproxima de mito


Ao ver deste formado em jornalismo e que ainda não tem cacife pra embasar a seguinte constatação, História é, ou deveria ser, a matéria principal de qualquer escola. Logo à frente das Artes, do estudo de Linguagens e da Matemática básica, afinal, de que adianta qualquer coisa se não sabemos nem o que somos ou de onde viemos.

O resultado de um estudo histórico falho (ou limitado, mesmo), é ignorarmos por completo tendencias, movimentos e comportamentos que nos jogam, sem perceber, de volta na mesma espiral que outrora levou a toda guerra e destruição que, por sua vez, moldaram a maneira que vemos, entendemos e, sim, estudamos o mundo.

Falando em espirais, esse é um assunto que me sinto mais confortável, no Cinema, em falar sobre (sim, vou mencionar Vertigo de novo), mas conforme encerro minha pequena jornada pelo Cinema Italiano, chego em um filme que a muito queria assistir, se qualquer coisa pela curiosidade de ser constantemente rankeado como um dos maiores nas poucas listas que importam. Também, quando assisto algo que parece ser fora da minha linha principal de Cinema, a impressão é que posso relaxar mais - a vontade de assistir, no caso, é menor, mas o compromisso também, o que resulta em experiências mais leves.

Não que um filme de duas horas sobre a guerra da Argélia contra a colonização Francesa que envolve atentados, tiroteios, tortura e assassinatos em massa seja algo fácil de assistir, mas minha relação com o filme parece mais… pura? Talvez?


ALÉM DO NEOREALISMO

Ainda assim, decidi escrever sobre o filme de Gillo Pontecorvo quando descobri que, de acordo com o próprio, nenhuma de suas imagens é real, o que o torna um dos exemplos mais curiosos de neo-realismo tardio, se assim podemos chamar. O movimento, encabeçado por Rossellini e sua maestria em filmar escombros externos como reflexão das ruínas internas, sempre me pareceu conter um ar de melodrama, uma ideia central que existe em extrair emoção dessa estética pós-guerra, e ao qual figuras como Ingrid Bergman ajudam a dar corpo. Não necessariamente um traço ruim, mas chegando próximo de seu fim, Arroz Amargo (1949) parecia mesmo o caminho para qual o movimento caminhava.

Mais de década depois, A Batalha de Argel não deixa de ser um trabalho de arte ambicioso: combinando diferentes estilos e narrativas, Pontecorvo é tudo menos econômico em como manipula o potencial dramático do filme, se não por meio de tramas, mas de sequencias praticamente isoladas que chocam por sua capacidade gráfica. Em uma particularmente marcante, pessoas conversam em um bar e uma explosão ocorre no plano, o que me fez questionar na hora a veracidade das imagens. Em diversos momentos vemos planos fechados de rostos, todos não atores, poucos instantes antes desses atentados, um recurso óbvio mas poderoso: ao mostrar cada um, a destruição não se torna mais apenas do todo.

Mas justamente ao não ter um protagonista, e ao apresentar o filme horas por narração, horas por imagens, horas por encenação (apenas um ator foi contratado, para fazer um general), é que A Batalha de Argel nasce. O conflito que dá nome ao filme é também o seu protagonista, em todo seu absurdo, seu horror, sua falta de humanidade e, principalmente, em sua denúncia. Como em qualquer guerra de independência, os dois lados atacam, mas apenas um se defende.


EM BUSCA DO CINEMA TOTAL

Se para André Bazin se devia buscar uma espécie de totalidade no Cinema, uma verossimilhança indistinguível da verdade registrada pelas lentes de uma câmera, me pergunto como ele se sentiria em relação a este filme.

Falecido em 58, o teórico Francês advogava por um Cinema real, diametralmente oposto às teorias de montagem de Eisenstein e da escola Soviética. Para Bazin, ícones e significados importavam menos do que corpos e significantes. E tudo bem, ainda há, em A Batalha de Argel, muita fabricação, se no mínimo uma manipulação evidente da capacidade de choque e drama mesmo que em cenas absurdamente realistas. Mas mentiroso é aquele que diz não se impressionar com o que Pontecorvo faz em tantos e diversos momentos aqui.

Desde como filma rostos, nus de qualquer habilidade ou intenção artística (não atores), às cenas de multidão que se tornam impessoais e praticamente desgovernadas se não por qualquer maneira que Pontecorvo conseguiu de orquestrar a desordem.

E como sugere Jean Narboni, em edição da Cahiers du Cinema (dos principais legados de Bazin) ainda na época de lançamento do filme: embora as cenas de Pontecorvo pareçam realistas, perto de outras tentativas de reanimação do real, são as imagens verdadeiras que parecem falsas.

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