Crítica | Conte Comigo
Em minha missão de rever ao menos parte dos filmes mais importantes dos anos 2000, me deparei com este drama de Kenneth Lonergan, um diretor que divide sua carreira entre o cinema e o teatro, e que gostaria de ver mais vezes nas telonas.
Responsável pelo excepcional e aterrador “Manchester À Beira Mar”, este é seu primeiro filme e já apontava algumas das características que aperfeiçoaria com o tempo. Logo no começo, vemos pessoas dirigindo e observando as paisagens da pequena cidade onde moram, e não demoramos a perceber que os personagens de Laura Linney e Mark Ruffalo possuem visões diferentes da cidade onde nasceram. Unidos pela tragédia, e separados pela forma como lidaram com ela, um vê aquela fração de mundo como o único lugar possível para se viver a vida, enquanto o outro presta atenção no cemitério que parece dar boas vindas a todos que chegam de fora da cidade.
E é basicamente sobre isso que a trama trata, ao mostrar um curto período de tempo onde a vida dos irmãos se entrelaça novamente, vemos como ambos lidam com momentos conturbados de forma aparentemente diferente - ela otimista e tentando fazer dar certo, ele fingindo que não liga - mas que no fundo prova que são dois adultos confusos e inseguros sobre o que fazer a seguir. Mas apesar de sua dinâmica ser funcional e interessante por si só, a falta de eventos no roteiro, também de Lonergan, proporciona uma gordurinha na produção que poderia ser cortada sem alterar seu efeito. Almoços, jantares, noites entediantes na frente da TV, casos extra-conjugais, brigas, vemos de tudo. E de novo. Inclusive, em certos monólogos é possível perceber até mesmo a natureza teatral do cineasta, algo que me tirou do filme uma ou outra vez por não ter sido explorado, e sim meio que jogado no meio da narrativa. Alie isso à convencionalidade visual - que aqui e ali surpreende sim, evocando visual e sonoramente “Desprezo”, de Godard - e algo que muitos falaram na época ainda se aplica: é um filme que, hoje, iria melhor se lançado direto na Netflix.
Mas mesmo que a discussão dicotômica entre conformidade e inquietacao acabe ficando um pouco perdida, as performances de Linney e Ruffalo mais do que elevam o bom material. Ela é o foco principal, e apesar de que gostaria de ter visto um pouco mais da miséria emocional em que sua personagem se encontra, a maneira como Linney comunica coisas apenas com olhares e gestos é algo possível apenas para uma intérprete de seu nível. Perceba como, sem falar uma palavra, mostra como seu apreço pelo amante volta a crescer após perceber o quão disposto este está para fazê-la feliz. Já Ruffalo pode até exagerar nos maneirismos, mas a pureza de sua performance a transforma em minha favorita de sua subestimada carreira. Sempre com um cigarro em mãos e jamais soando como um ator interpretando um personagem, ele oferece ao menos dois momentos memoráveis onde sua relação com o sobrinho comprova que, por trás de toda a postura de quem não liga, há um jovem carinhoso e preocupado com o que lhe restou de família, mas que sabe que ainda precisa encontrar um motivo para a própria vida.
Não tão triste como Lonergan parece querer, e não tão feliz a ponto de te dar aquele fôlego extra que apenas a arte consegue, “Conte Comigo” é, ao menos, encerrado com uma bela cena onde os irmãos relembram o que costumavam falar um para o outro, provavelmente após a tragédia que marcou suas vidas.