Crítica | Alta Fidelidade

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Um dos meus filmes favoritos, “Escola de Rock”, conta a história de um músico frustrado que toma o lugar do amigo, professor, em uma escola de ensino fundamental e decide que vai ensinar seus alunos a ciência do Rock and Roll.

Após assistir “Alta Fidelidade”, ninguém me convence que Jack Black e Joan Cusack não interpretam exatamente os mesmos personagens.

Dirigido por Stephen Frears e escrito por quatro pessoas, é curioso que o roteiro seja o ponto forte do filme. Nos apresentando a Rob Gordon (John Cusack, irmão de Joan), um homem frustrado em sua vida amorosa e dono de uma loja de discos quase falida, “Alta Fidelidade” é uma comédia romântica que prefere muito mais a comédia do que o romance.

Enquanto a maioria dos filmes do gênero são sobre duas pessoas que se encontram, se apaixonam, terminam e retornam uma para outra, este é única e exclusivamente sobre Rob, um ser humano falho de todas as maneiras: infiel, instável, problemático, preguiçoso, egoísta e, o pior de tudo, convencido do próprio fracasso. Mas se o longa jamais mergulha neste potencial drama, é graças a energética performance de Cusack. Tomando conta de uma série de monólogos hilários (o primeiro é simplesmente genial), que quebram a quarta parede e que revelam todas as imperfeições de seu personagem, acreditamos cegamente que aquele homem existe e apesar de jamais torcermos por sua felicidade - não é como se merecesse -, não conseguimos deixar de acompanhar com fascínio a maneira como deixa sua megalomania comandar sua vida.

Por isso o filme quase se perde, beirando abraçar o machismo de seu personagem que, mesmo sem jamais subjugar qualquer mulher durante a projeção, constantemente as culpa pelos próprios erros e a forma como exige - mesmo que para si - resoluções da parte delas prova que não está apto para um relacionamento saudável. Porém, Frears faz questão de não romantizar a relação dele com a Laura de Iben Hjejle, deixando perfeitamente claro que se um dia se juntaram é porque dividam a mesma forma de ver o mundo e, quando ela percebe que ele continua o mesmo homem pela qual se apaixonou, justificadamente perde o interesse. A própria fotografia de Seamus McGarvey pinta o retrato da vida de Rob de forma eficaz, com cores frias no presente e quentes nos flashbacks, e apesar de o longa não ser muito sofisticado em linguagem, a disposição dos personagens na misé-en-scéne dá vida às locações, especialmente a loja de discos que, desorganizada e claramente necessitando de uma limpeza, jamais dá a impressão de ser apenas um cenário.

É como se todo aquele mundo refletisse o estado de mente de Rob: propositalmente desleixado, comprovando que o filme o vê da mesma forma como nós deveríamos.

Com uma trilha sonora funcional e bem acoplada a narrativa, “Alta Fidelidade” ainda ganha alguns pontos em 2020 ao adicionar na vida de Rob uma cantora negra, que divide com ele uma noite de sexo e que, em um filme de Adam Sandler, seria tratada com um diálogo do tipo: “ah você dormiu com uma negra”, mas que aqui é uma mulher independente e, nas palavras do próprio, maravilhosa - e talvez o ser humano mais bem resolvido da narrativa. Infelizmente e, por mais sentido narrativo que faça a apresentação final do sempre divertido Jack Black, é mais um caso de um homem branco cantando as músicas de um homem negro para uma audiência branca.

E que diferença isso faz? Bem, que “Alta Fidelidade”, por melhor que seja, é um filme consideravelmente branco e contado da visão masculina de mundo, e consigo enxergar boa parte do público simplesmente não aceitando torcer por um personagem tão problemático como esse e, em um filme onde ele é o protagonista e atinge o final mais feliz que poderia mesmo fazendo uma série de escolhas erradas, isso seria essencial.

7.6

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