Crítica | Jojo Rabbit
Como surge o Nazismo? Da onde ele vem? Parece que o diretor e ator Taika Waititi, de “O que fazemos nas sombras” tem uma hipótese, e adianto já nesse ponto do texto que discordo dele.
Mas há de se discorrer sobre seus pontos e interpretações no longa “Jojo Rabbit”, um dos poucos filmes com coração que assisti nos últimos tempos, o que já é por si só um dos seus méritos. Especialmente pela história bem escrita e algumas escolhas certeiras de direção, o filme é bom, agradável e interessante. As atuações são em sua maioria verdadeiras e convincentes e sendo uma comédia, tem piadas que causam risadas enquanto fazem algum tipo de comentário que serve para o andamento temático do filme. Mas é um filme sobretudo ingênuo e apesar de ser o ponto de vista de uma criança, o protagonista Jojo, muito bem interpretado por Roman Griffin Davis, incomodam escolhas centrais de desenvolvimento narrativo. Por vezes, parece que Waititi gosta muito dos próprios personagens a ponto de não conseguir mudá-los durante a história.
Waititi (à esquerda) dirige e interpreta Adolf Hitler e Roman Davis (à direita) como Jojo.
Jojo Beltzer é um menino de 10 anos, como ele nos conta em um monólogo que inicia o filme, ele está no seu quarto se preparando para entrar na Jungvolk, grupo jovem da Alemanha nazista. O menino é tão aficionado pelo nazismo que o próprio furher incorpora como seu amigo imaginário. Após conversar com seu Hitler imaginário (e cômico) interpretado pelo próprio Taika Waititi sobre os valores que ele precisa demonstrar perante os jovens hitleristas para se destacar e realizar seu sonho de ser guarda pessoal do ditador, ele sai de casa correndo. Essa cena de abertura é um dos bons momentos em que a edição entra em cena criando comicidade e alguma reflexão sobre a maneira como funcionava a idolatria. Enquanto toca “I Wanna Hold Your Hand” em alemão, imagens dos jovens gritando enquanto Hitler discursa alternam com Jojo correndo pela rua saudando todos que vê com a saudação tradicional nazista (elemento recorrente do filme, utilizado para criar gags, inclusive na cena mais importante do longa). Já a cena do acampamento é uma das mais fracas, problemáticas e ingênuas do filme.
Os jovens são liderados pelo Capitão Klezendorf (Sam Rockwell) um oficial que não pode mais ir a guerra por causa de um acidente em batalha. Nesse momento há uma enormidade de piadas, muitas com pouca efetividade, aliás a presença de Rebel Wilson nesse filme é inexplicável e sempre que ela está em cena é uma guerra (hehe) aguentar suas piadas sem graça e reações. O acampamento já é o primeiro momento que Jojo se confronta com seu nazismo, porém isso só acontece porque há uma retratação bastante ingênua dos adolescentes que tentam forçar o protagonista a matar um coelho. Essa maneira é condizente com a visão que o filme demonstra que de que “nazismo é falta de amor” e os nazistas reais que aparecem no filme são figuras animalescas (um contraponto a maneira que os mesmos descrevem os judeus). O problema é que o mundo nas últimas décadas nos mostra constantemente que o fascismo aparece em pessoas normais, vizinhos, primos, colegas, qualquer um, independente do motivo e suas ações não são impensadas são bastante racionalizadas e objetivas, destrói o diferente, mata a diversidade e enterra a inteligência.
Claro que isso aparece de alguma forma no filme, mas é tão caricato que há dificuldade em entender a seriedade do assunto. O momento em que as crianças praticam fazer uma fogueira com livros, ou a distinção das tarefas dos meninos e das meninas no acampamento da juventude são exemplos disso. São comentários importantes sobre o tipo de coisa que o fascismo prega, mas executados de uma maneira tão cômica que parece que a intenção é falar sem magoar ou ninguém, ou seja, uma pessoa que tem atitudes nesse sentido no mundo real não se identificaria com essa caricatura. E o personagem de Sam Rockwell é especialmente problemático, afinal é ele que representa o aparato do estado alemão no filme, é um oficial do exército, mas ele é uma espécie de herói, responsável por salvar Jojo no clímax do filme. Não há contradição no filme, mas esse personagem ao contrário das crianças que aparecem não é ingênuo, é um nazista adulto e mesmo assim aparece como uma salvação. É perigosa a estratégia de Waititi em criar simpatia por nazistas e não tenho certeza nem da sua razão narrativa para tal.
É engraçado que o começo seja tão atrapalhado, pois após o acampamento em que a maioria das cenas se passa na casa que Jojo divide com sua mãe, Rosie – o 2019 de Scarlett Johansson é algo indescritível – e a impressão que temos é que entramos no meio da história dessa família em que o pai está na guerra e a irmã morta. Ficamos com a relação dos dois, o poderoso amor de uma mãe por seu filho que se mistura com o medo desse ser irreversivelmente nazista. Esse trecho lembra um episódio da antologia teatral Terror e miséria no terceiro Reich, de Bertolt Brecht (apesar de Waititi escolher Rilke para ser o representante da poesia alemã) em que os pais temem que seu filho, membro da Jungwolk denunciem sua oposição ao regime. O roteiro é assumidamente do ponto de vista de Jojo, o que nos obriga a ficar no escuro em relação a informações que o personagem não sabe e vão ser importantes para a trama (qual a profissão de sua mãe, por exemplo). Obrigado a ficar em casa, descobre Elsa – a jovem Thomasin Mckenzie arrebenta nesse papel - morando dentro das paredes do quarto de sua irmã. É na verdade uma amiga da irmã, judia que foi acolhida por Rosie depois de seus pais serem mandados para os campos. O triângulo que nunca acontece, as relações entre os três personagens são o que esse filme tem de mais tocante e potente.
Rosie não fala para Jojo que esconde uma judia em sua casa, pois teme que ele seja fanático de mais para entender e jamais conseguiria escolher entre a menina e o seu filho. Jojo não conta para sua mãe que encontrou a menina, a princípio por medo, mas eventualmente também por amor. Boa parte da trama entre os personagens vai se passar entre facas e segredos e vamos entendendo, junto com Jojo, que Rosie não se sente só desconfortável com o nazismo, mas também milita ativamente contra esse. A relação entre Jojo e seu amigo imaginário se acirra conforme sua mãe é mais aberta com ele. Há aqui uma cena excepcional em que Scarlett Johansson interpreta um diálogo entre Rosie e o pai de Jojo, é um dos momentos mais brilhantes e sensíveis do longa. O cuidado que recebe de Rosie faz Jojo se aproximar também de Elsa, misturando amor e ódio. Um ponto que é destacado algumas vezes é sobre como se colocam crianças para lidar com problemas de adultos, especificamente a guerra, mas há também uma ligação nisso com a maneira que Jojo está apaixonado por Elsa e se questiona se algum dia vai ter alguém que ele possa amar. O desenvolvimento para o final não chega a ser discreto, mesmo que surpreendente e na cena, sentimos raiva por ter entendido os sinais que o diretor deu do desfecho (não há spoilers nesse site, mas quem viu o filme sabe do que se trata).