Crítica | Entre Facas e Segredos

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Nada soa mais poético do que a morte de um escritor excepcional de mistério se tornar um grande enigma. Não me surpreenderia, caso surgisse em alguma entrevista, que Gillian Flynn ou Stephen King já planejaram fazer de sua morte uma enorme charada.

A coisa mais interessante sobre filmes que parecem como quebra cabeças, e não só o subgênero do "Quem matou” (ou Whodunnit), é como o escritor do mistério em questão é capaz de inserir novas informações de forma sutil para a narrativa sem aparentar que aquele novo vestígio não está ali pela mera convencionalidade das coisas serem amarradas ao final.

Por outro lado, o fato mais interessante sobre quebra-cabeças (o jogo) não tem absolutamente nada a ver com o seu desfecho. A coisa mais cativante sobre resolver um quebra-cabeças começa em descobrir onde posicionar as peças das bordas. Aquelas com apenas dois lados funcionais mas que inevitavelmente ditam todo o ritmo do restante do processo de resolução. Essas peças são as mais interessantes pois, a princípio, não sabemos nada sobre o que estamos procurando. Depois disso, se apresentam a confusão e o pânico de achar o lugar das peças de 4 lados, que podem parecer mais importantes do que de fato são. É nesse momento que você pensa conhecer o seu quebra-cabeças, contudo basta uma peça posta no lugar errado e é questão de tempo até você ser levado pra palpites e cálculos errados. Cada vez mais longe da resolução, toda peça se torna sinônimo de desconfiança.

A parte final de um quebra-cabeças é o momento em que as peças se encaixam quase de forma presunçosa. É puramente intuitivo. Na verdade, é a parte mais chata de resolver, mesmo sendo a mais recompensadora.

Quando o renomado escritor de “thrillers”, Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é encontrado morto após uma festa de família para comemorar seu 85º aniversário, o prepotente - porém nunca pedante - detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é contratado de forma anônima para resolver um caso que já havia sido considerado uma situação de suicídio. Com uma família enorme e completamente disfuncional, sendo todos suspeitos, Blanc tem como sua principal estratégia de investigação a enfermeira de Harlan, Marta (Ana de Armas), a qual o corpo possui a peculiaridade de repulsar a mentira. Toda vez em que tenta enganar alguém, ela vomita.

E sim, você leu isso, assim como deve ter visto em muitos lugares. Provavelmente, antes de tudo, foi o que atraiu a sua atenção e o levou ao cinema. Christopher Plummer e Daniel Craig estão atuando sob as mesmas lentes, assim como Don Johnson, Michael Shannon, Jamie Lee Curtis e Toni Collete. Dentre esses, vale mencionar a insana transformação de Collete do seu último filme , “Heriditário”, e que, apesar de não brilhar aqui, segue mostrando muito de sua versatilidade. Na verdade chega a ser engraçado o fato de uma das cenas mais famosas do ano passado se relacionar ao seu expressionismo quase exagerado. Novamente, sua exorbitância vai até o limite que separa o genial e o incomodativo, mas fica no primeiro.

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O fato é que todos atores aqui, tanto a antiga geração quanto a nova, representada por Chris Evans, Lakeith Stanfield e a própria Ana de Armas, dão a sua melhor versão para história, e em decorrência da quase visível empolgação por estarem participando do longa, também beiram o caricato. É impressionante como absolutamente todos os personagens conseguem quase extrapolar o aceitável e ainda assim ficarem do lado certo do concebível. Alguns brilham mais, outros menos, mas todos se mostram devotos ao roteiro de Rian Johnson. Ele, que dirige aqui também, é uma mente extremamente versátil, dinâmica e criativa e, porque não, um pouco subestimada. A engenhosidade de sua imaginação fica clara em “Looper”, no mais recente “Star Wars” e agora em “Entre Facas e Segredos”. Olhos por todos lugares. Uma ambientação, junto à enquadramentos que estão sempre buscando o maior número de pessoas em tela possível, que dão espaço para o público buscar qualquer traço de desconfiança sobre os membros da família.

O único problema de “Knives Out” é a questão de como o filme se enxerga. Em seus momentos de comédia, se acha mais engraçado do que vai fazer seu público rir, e em seus momentos de suspense, a falta de ansiedade e expectativa são consequência de um filme mal resolvido com o tom que quer assumir, e consequentemente não transita tão bem entre os dois. A busca por humanizar a sua história através de seus personagens - o que o diretor faz de forma sensacional em seus últimos dois filmes - encaixando alguns comentários políticos atuais ecoam rasos demais para ter algum impacto real a quem assiste. Parecem estar ali por mero capricho sem cimentar algum comentário de fato.

E na tão esperada resolução - vista a quilômetros de distância - no maior estilo Fred Jones de Scooby Doo, o detetive Benoit Blanc nos repassa detalhadamente como o crime aconteceu. Sua empolgação é contagiante. Craig, na verdade, durante as 2 horas e 10 de filme está sensacional. Mas ao final não há nada de novo ou genial aqui, como talvez muitos esperassem.

Como mencionado, “Entre facas e segredos” tem seu início empolgante, seu segundo ato cheio de ótimas possibilidades e um final presunçoso e intuitivo. Mesmo que seja um lindo quebra cabeças, a fórmula segue igual.

7,7

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