Crítica | Bingo: O Rei das Manhãs

Poucas coisas no cinema são mais interessantes do que a jornada do artista, ainda mais quando esta jornada é baseada em uma história real. Isso, no entanto, não é um tema bem trabalhado no cinema nacional. "Elis", "Somos Tão Jovens", "Tim Maia", apesar de excelentes caracterizações de seus atores principais falham como filmes que funcionem além da história que contam. "Bingo" contraria tudo isso.

Dirigido pelo jovem Daniel Rezende, o filme baseado na história do palhaço Bozo no Brasil é antes de tudo um estudo de personagem, que tem em sua história real a base para que o verdadeiro produto seja construído por cima dela. 

A reconstrução dos cenários e figurinos, a cinematografia, a trilha sonora, tudo te leva de volta ao cinema dos anos 80 sem forçar. O diretor sabe dosar a nostalgia, o humor, a tensão e os aspectos visuais a serviço da história, não como recursos para entreter os espectadores que vivenciaram o sucesso do palhaço. O ritmo do filme é excelente, é a clássica história de ascensão e queda, contada dezenas de vezes no cinema brasileiro e mundial, mas o desenvolvimento é ainda mais interessante do que os próprios fatos. 

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Cada um desses elementos é essencial e giram em torno da performance excepcional de Vladimir Brichta, que além de apenas imitar o palhaço, cria um dos personagens mais complexos e interessantes do cinema brasileiro. O homem por trás do Bingo não é menos importante do que o personagem que interpreta. Sua devoção como pai e filho, sua crescente insanidade por conta das drogas e da fama, seus conflitos internos sobre o quanto desta fama realmente é dele até por fim reconhecer o próprio palhaço como um inimigo, tudo isso com uma visceralidade que só se torna possível quando o ator realmente toma conta de seu papel. 

É pouco perceptível, mas todas as cenas do filme são inteiramente ligadas à ele, não existe sequer um momento onde dois personagens conversam ou interagem sem estarem tratando diretamente sobre Bingo, mesmo assim, todo o elenco está sólido. Leandra Leal principalmente com sua presença firme e desafiadora, mas Cauã Martins e Ana Lúcia Torres estão ótimos como a família de Bingo, dando vida à sub-arcos envolvendo o preço da fama. Até mesmo o alívio cômico de Augusto Madeira funciona, graças ao diretor que soube utilizá-lo. Talvez o único ponto que poderia ser melhor trabalhado fosse o treinamento de Bingo com o palhaço interpretado por Domingos Montagner, o que poderia render um ato carregado de emoção após a trágica morte do ator. 

"Bingo: O Rei das Manhãs" é de longe o melhor filme nacional de 2017 e foi merecidamente escolhido como representante do Brasil no Oscar. O próprio Vladimir Brichta poderia ser lembrado na categoria de Melhor Ator, mesmo que seja uma aposta muito arriscada. O que fica é um dos poucos longas que trabalha um tema tão recorrente no cinema brasileiro com maestria e talvez a influência para trabalhos futuros. 

9.5

 

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