Crítica | Charm - Clairo

Todos nós conhecemos aquele tipo de pessoa que faz a vida parecer mais fácil do que realmente é. Beira o misticismo. Faz qualquer pessimismo parecer irrelevante e esquecível, sem sugerir uma sensação de culpa.

Ela aconselha da melhor maneira possível, mas é o seu jeito de existir que realmente encanta. Por mais que eventualmente suas palavras possam contradizer essa leveza, seu eu empírico não a deixa mentir.


Clairo entrou na minha vida em 2019 como uma jovem que não queria se mostrar por completo. A capa de Immunity reflete essa indisposição social: apenas metade do rosto visível e olhos direcionados ao chão, enquanto ela suplica em Bags com a pergunta, Can you figure me out? (Você pode me decifrar?), com medo de dar qualquer primeiro passo para fora da atmosfera limitada da canção.

E a verdade é que ainda não tinha como. Os três primeiros acordes melancólicos da faixa de abertura, Alewife, contrastavam de maneira estranha com o baixo agressivo e o autotune de Closer to You e a reverberação excessiva em North. Assim, estávamos diante de uma história sobre auto-descoberta nada conclusiva.

Justamente por isso que é tão empolgante ver, após cinco anos e um álbum incrível sobre amadurecimento (Sling), que aquela pessoa introspectiva e reservada se tornou alguém que se expõe a ponto de botar tudo a perder, conforme escancara em “Nomad” (I'd run the risk of losing everything, Sell all my things, become nomadic).

Em Charm ela está irrefreavelmente À mostra.

O contato visual que era uma grande dificuldade no passado ganha uma força tão intimidante que chega a ser constrangedor encarar por tempo demais a capa. Clairo quer ser sensual e faz isso de maneira imperativa, ao passo que seus arranjos, comandados pela bateria molhadíssima de Homer Steinweiss (Amy Winehouse, Bruno Mars, Kali Uchis), a acompanham de forma platônica em Sexy to Someone e Second Nature.

E que fique claro: nenhum padrão de beleza ou estilo exuberante pode superar o charme da naturalidade de alguém à vontade em sua própria pele. A forma como os instrumentos se comunicam durante os 38 minutos do disco é praticamente um experimento social, com Clairo no comando. É a antítese ao impulso moderno de julgar uma obra de arte antes de realmente senti-la.

É misterioso como um quebra-cabeça, mas exibido como uma vitrine. É evocativo e ao mesmo tempo moderno. É, por falta de um termo mais adequado, um orgasmo auditivo que não foi feito para se ouvir com a cabeça, mas sim para ser sentido com o coração. “Come to me, slowly”, ela pede em “Juna”. “I don't even try, I don't have to think, With you, there's no pretending”, diz o pré-refrão, com uma facilidade quase afrontosa ao me ler de maneira tão simples.

Mas eu sorrio, abraçando a leveza existencial que Clairo me transmite, enquanto continuo a me perder no som do trompete improvisado com a boca, como um bobo feliz, após o último refrão.

Simplesmente não consigo me controlar. Existem certas pessoas que tem esse poder de nos ensinar a viver mais leve.

9

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