Crítica | O Abutre

If it bleeds, it leads.

Essa é a frase que, dita ao personagem vivido por Jake Gyllenhaal - e para todo estudante de jornalismo no primeiro semestre -, funciona como gatilho para desencadear toda a perturbação que, aparentemente, vinha a muito presa em sua cabeça. Louis Bloom é uma antítese viva: simpático, porém solitário; inteligente, porém fracassado; ambicioso, mas sem expectativas de futuro. Seja por não entender como uma relação entre seres humanos deveria funcionar ou por, simplesmente, não gostar de nenhum outro ser humano, talvez nem de si mesmo, ele é a representação exata do animal que dá nome à tradução do título do filme, pairando sobre qualquer carcaça que possa farejar para alimentar sua fome insaciável de algo que nem bem sabe o que é.

Afinal, qual o real objetivo de Lou ao começo de “O Abutre”? Ele tenta um emprego, não consegue e, ao dar de cara com “paparazzis” focados em imagens gráficas de crimes e acidentes, encontra uma forma de ganhar a vida que combine com aquilo que até ali conhecia por “vida”. Mas, conforme sua ambição e necessidade de se auto afirmar começam a aparecer, fica claro que seu objetivo não é a fama ou o sucesso profissional, mas sim abastecer seu desejo sádico de estar sempre por cima, seja de seu parceiro de trabalho - um ótimo trabalho de Riz Ahmed, diga-se -, seja da mulher que o contratou - um ótimo trabalho de Rene Russo que apresenta uma química propositalmente desconfortável com Lou -, seja de seus concorrentes de profissão. Ele não nutre sentimentos por ninguém, por mais que esbanje um sorriso em sua cara nos mais diversos momentos por achar que, assim, está sendo afetuoso. Lou é um animal peculiar que, assim como outro filme que Gyllenhaal estrelaria no futuro, apenas vêm à vida durante a noite.

Ao longo da narrativa, percebemos que ele é também o vilão de sua própria história, interpretado com todo um maniqueísmo agoniante de Gyllenhaal, que perdeu muitos quilos para viver o personagem e simplesmente desaparece sob seus fundos e arregalados olhos que sugerem que o pior pode lhe acontecer a qualquer momento e, pior ainda, ele estará lá. É possível perceber traços claros de sociopatia, psicopatia e altismo, que o colocam em sua própria bolha onde tudo que importa é como suas próximas ações irão despertar nos telespectadores, que se deliciam - horrorizados - com seus registros gráficos e absentes de qualquer sentimento, o mesmo prazer mórbido em ver a morte que ele possui. Talvez assim, em sua cabeça, consiga se achar normal, ao trazer um pouco do monstro farejador de sangue de cada um que o assiste.

Um tanto inexplicável, no entanto, é como somos magnetizados por sua personalidade problemática. Seja pela sublime interpretação de Gyllenhaal, que foi roubado de uma indicação ao Oscar, ou pelo emaranhado de conflitos morais com que Dan Gilroy, roteirista e diretor do projeto, escreveu o personagem, o qual é tão realista como aquele pesadelo que te faz acordar gritando. Gilroy também é bem sucedido em filmar uma Los Angeles noturna (com o auxílio da bela e escura cinematografia de Robert Elswit, vencedor do Oscar por “Sangue Negro”), com menos luzes que as de costume para mostrar o mesmo submundo onde filmes passados como “Colateral” e “Drive” também se situavam. Porém, lhe falta um pouco de decisão do que fazer com a história que tinha, sendo que “O Abutre”, por mais fascinante que se prove, ao não se decidir sobre o que quer ser realmente deixa de aproveitar toda a intensidade que seu suspense poderia provocar nas mãos de um diretor mais seguro, digamos, David Fincher, por exemplo.

Veja bem, por mais investido que esteja na história - e eu estava muito - não é como se seu coração acelerasse mesmo em nos momentos derradeiros, talvez pelo fato da crítica à sociedade do espetáculo (de Guy Debord) estar estampada com tanta força que é como se aquelas monstruosidades fossem apenas uma grande piada que, apesar de não fazer rir, tem um efeito insanamente durável em nossa memória. Isso impede um longa tecnicamente impecável de se tornar uma experiência verdadeiramente incômoda, o que o transformaria em um dos melhores suspenses de seu tempo. Ao seu final, “O Abutre” vai até aonde seu personagem principal o leva, o que não é dizer pouco sendo que Louis Bloom tem tudo para se tornar um clássico do cinema.

De toda forma, o que esse filme prega, e sucede em fazê-lo, é que o mundo é assim, podre, e somos todos abutres nos alimentando dele.

8.7


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