Crítica | Luta por Justiça

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“O OPOSTO DE POBREZA NÃO É RIQUEZA. O OPOSTO DE POBREZA É JUSTIÇA.”

É sabido que o sistema prisional estadunidense é historicamente um dos mais nocivos e injustos de todo o planeta, mas em um cenário onde a cada 10 condenados à morte ao menos um deles é inocentado com o devido auxílio jurídico não podemos, de forma alguma, supor que estamos lidando com um sistema de justiça. Destin Daniel Cretton reúne Michael B. Jordan, Jamie Foxx e Brie Larson, sua costumeira parceria, com o propósito de, através de uma dessas histórias, mostrar que, se nosso objetivo é uma sociedade igualitária, ainda temos muito caminho para trilhar.

Em uma silenciosa floresta somos introduzidos a Walter McMillian (Jamie Foxx), junto de outro homem eles derrubam e cortam uma árvore, quase nenhuma palavra é trocada entre os personagens, a paisagem fala mais alto, eles colocam a árvore na caminhonete de Walter e cada um segue para casa em seus respectivos veículos. Após algum tempo de viagem, Walter é parado na estrada por diversas viaturas, apesar de o cenário ser preocupante ele demonstra calma e responde as perguntas iniciais da polícia com calma, até que o cenário se modifica e ele é de forma abrupta retirado do carro e acusado do assassinato de uma jovem de 18 anos.

Na sequência, somos introduzidos a Bryan Stevenson (Michael B. Jordan), um jovem estudante de Direito em Harvard, que é delegado com a tarefa de avisar um detento de que sua pena de morte ainda não será decretada e que ele possui, ao menos, mais um ano de vida e que tem como objetivo em sua carreira ajudar prisioneiros que não tiveram o devido apoio que o sistema deveria prover para os que esperam a data de execução no Corredor da Morte. Ambas introduções, apesar de curtas, dizem muito sobre o que precisamos saber sobre os personagens e como são vistos pelas autoridades que os cerceiam.

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Algum tempo se passa, estamos na casa de Bryan, que recentemente se formou e, contra a vontade de sua mãe, resolveu que irá ao sul dos Estados Unidos, mais precisamente no estado do Alabama, onde pretende abrir uma firma, a Equal Justice Initiative, em que, sem cobrança de custos, pretende assumir alguns casos onde considera que a justiça não foi bem aplicada. Aqui, um dos grandes acertos do filme é que não somos introduzidos apenas a como Bryan e William foram lutar pela justiça, mas também somos apresentados a mais dois outros casos que são relevantes ao que a história trabalha: Anthony Ray Hinton e Herbert Richardson, os quais falaremos mais deles adiante.

Nada do que veremos pela frente é novo ou inexplorado e em alguns momentos inclusive somos apresentados a clichês do gênero, mas de forma alguma isso faz com que “Luta por Justiça” perca a força que carrega nas histórias que conta e na mensagem que pretende passar. Descobrimos junto dos personagens de Michael B. Jordan e Brie Larson como a acusação de Walter “Johnny D.” McMillian foi porcamente construída pelas autoridades e como o sistema legal norte-americano dificulta de forma absurda que se consiga apelar o julgamento e conseguir o direito de um novo que de fato dê ao réu a chance de provar sua inocência em contrapartida a facilidade que é para colocar um homem negro atrás das grades. Tudo isso é realizado através de atuações poderosas de todo o elenco e que mereciam um pouco mais de destaque nessa última temporada de premiações. Mesmo não sendo um dos maiores fãs do gênero jurídico, e apesar de seus 136 minutos de duração, o filme não é nem um pouco maçante de se acompanhar.

Como é baseado em um fato real, acho desnecessário que se avalie a construção de seu terceiro ato em relação ao que condiz a história, sinto que é o suficiente dizer que temos uma conclusão que chega onde o espectador quer que chegue mas, de modo algum, dando um sentimento total de satisfação. Digo isso ao recordar dos companheiros de prisão de “Johnny D.” McMillian: Anthony e Herbert. Ambos também são baseados em figuras reais, e suas histórias são um pouco mais complicadas do que a que o filme aborda majoritariamente, mas a inclusão delas no longa é essencial para entender o cenário histórico e como ele se reflete atualmente.

Herbert Richardson (Rob Morgan) era um veterano estadunidense da Guerra do Vietnã e retornou aos Estados Unidos com estresse pós-traumático, jamais tendo suporte médico adequado oferecido pelo governo, isso resultou em uma vida dura para ele, que frequentemente alucinava achando que ainda estava na guerra, em um desses surtos ele constrói uma bomba e a coloca em uma casa, onde uma criança mexe nela e acaba por morrer na explosão. “Herb”, como é chamado pelos detentos, é julgado e condenado a pena máxima. Bryan Stevenson também assume seu caso, tentando justificar que o lugar de Herbert era em um hospital psiquiátrico e não no corredor da morte, mas seus esforços são insuficientes e, em uma forte cena, assistimos junto a Bryan a execução de Herbert.

Anthony Ray Hinton (O’Shea Jackson Jr.), condenado por duplo assassinato, passou 29 anos no corredor da morte lutando pela reversão de sua pena e sua consequente liberdade, com o auxílio de Bryan Stevenson e da Equal Justice Initiative conseguiu somente no ano de 2015 sua soltura, período esse em que passou preso em uma cela única no estado do Alabama. Sua história absolutamente estarrecedora renderia um filme por si só, mas em “Luta por Justiça” e na história é apenas mais um caso onde o Estado não é capaz de combater seu racismo estrutural e seu sistema de justiça que em muitos casos é criminoso.

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Enquanto não existirem mudanças concretas e uma justiça efetiva, filmes como “Luta por Justiça” não devem ter sua existência questionada, pois a mensagem que eles carregam ainda é extremamente atual, Destin Daniel Cretton faz um bom trabalho em juntar um elenco talentoso na tentativa de reforçar esse apelo por um mundo melhor.

7,9

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