Crítica | Mirrors No. 3
o Jogo de espelhos.
Em uma cena central de Mirrors No. 3 toda a família se senta na sala de casa para ver a personagem de Paula Beer tocar um piano que não é tocado há algum tempo. A mãe se senta ao sofá e atrás dela há uma pintura pendurada na parede: vemos duas pessoas caminhando numa estrada rural. De certo modo, essa imagem resume o novo longa-metragem de Petzold, onde uma mulher lida com o luto enquanto idealiza a companhia da sua filha, pintada no passado.
Uma mãe que tenta superar a perda da sua filha encontra uma nova possibilidade de continuar a sua vida quando uma outra jovem, interpretada por Paula Beer, sofre um acidente de carro ao lado de sua casa no interior da Alemanha e pede para se hospedar na casa da mulher durante a sua recuperação.
As duas rapidamente encontram algo que procuravam uma na outra: A mãe encontra a filha que perdeu e a moça encontra uma mãe disposta a cuidar dela em um momento de dor e fragilidade.
Todavia, uma família não se trata apenas de uma mãe e uma filha. Logo após as duas desenvolverem uma conexão, em uma bela cena que dividem uma bicicleta, os homens (assim que a mãe se refere a seu marido e seu filho) reaparecem e voltam a orbitar aquele ecossistema. Eles também passam a ver a jovem como o centro de força que mantém a família unida, e é com o preparo de uma refeição dela que eles novamente se reúnem. Na cena que já descrevi, ela enche o ambiente com seu piano para eles ouvirem.
O título do filme, homônimo da música de Ravel - que é a principal trilha sonora do longa - entrega que Petzold está fazendo um filme de duplos. Cada um ocupa o papel que não é seu, mas de outra pessoa que não está ali. Os pais podem ir colher amoras para fazer bolo, os irmãos podem passear de bicicleta pelos campos, mas Petzold procura filmar eles juntos, em uma bela cena os quatro estão enquadrados ao mesmo tempo em uma mesa, olhando em direção a câmera enquanto dividem uma refeição.
Por isso quando o irmão finalmente quebra o espelho e conta para Paula Beer o que ela e todos nós já sabíamos - que aquilo é a encenação de uma família que se perdeu - é tão dolorido ver os quatro isolados dentro da casa.
Ela fechada, no seu quarto e os outros três revivendo a dor da solidão e da perda. A solução de Petzold de transformar a família em voyeurs da vida de Paula Beer é a única possível, e eles seguem tendo algo para se reunir: as imagens da jovem filmadas por um celular.