Crítica | Louca Obsessão

AUTORIA CORROMPIDA

Amado filme dos anos 90, Louca Obsessão funciona ainda melhor como estudo de caso


Coisa de dois, três anos atrás, escrever sobre clássicos era uma coisa que me deixava com um sentimento amargo. Que, no caso, se tornava ainda pior por não conseguir diagnosticar o porquê de me sentir assim.

Hoje o motivo me é bem claro: não assistia clássicos para ver o que achava deles, mas para confirmar que gostava e “entendia”. Por consequência, os textos nao eram as minhas ideias sobre o filme, mas uma soma de clichês que desmembravam as opiniões de senso comum acerca da obra.

Então, provavelmente, se pegar uma crítica minha de Louca Obsessão (acho que escrevi sobre em algum confim aqui do site), provavelmente falaria da “tensão criada pelo diretor”, do “roteiro minimalista e bem amarrado baseado na obra de Stephen King” e de “uma das melhores atuações de todos os tempos”. Felizmente, evoluímos.

LIVROS E AUTORES

Cinema é imagem, antes de história, premissa, roteiro. Cinema é o que vemos na tela e, como alguns pontuaram, poucas coisas são menos interessantes do que o processo criativo de um escritor. O que torna Louca Obsessão, um filme sobre esse e suas obras, ao menos interessante quando analisado de maneira dialética entre a diegese e a não diegese.

De absolutamente nada importa se esse filme - ou qualquer outro - é fiel ao livro. Porém, ha algo no cerne do longa de Rob Reiner que surge como uma das discussões mais interessantes acerca de si, e vai além até mesmo dos méritos cinematográficos da obra.

Afinal, o que diz sobre a autoria de algo quando este é escrito sobre uma situação tão extrema? Além de alegorias, o personagem do recentemente falecido, o grande James Caan, se encontra em uma situação extrema de puro horror, onde tem de alterar a história para que seja tanto sua chance de liberdade como seu meio de sobrevivência. Ainda assim, feita de maneira afetada e com o intuito de ser manipuladora, ela causa efeitos visíveis na pirada Annie Wilkes, não muito diferente do que são diretores que se curvam a estúdios e fazem filmes enlatados, mas que ainda conseguem levar pessoas a lotar as sessões.

E olhem só: de toda e qualquer interpretação que o filme possa ter, nenhuma me parece tão divertida como a de que Wilkes representa os fandoms por aí, que enchem tanto o saco para que os filmes saiam exatamente como eles querem - ela basicamente limita as opções de Caan -, e acabam se emocionando ao confirmar o que já sabiam antes. Seria isso uma espécie de autoria coletiva, condicionada para tender uma demanda fabricada?

Acho que existem mais evidências para dizer que sim, basta ver a quantas andam os universos cinematográficos de Marvel, DC e Star Wars, com uma porcaria seguindo a outra, e com os fãs cada vez mais reclamantes, mesmo assistindo exatamente aquilo que pedem enlouquecidamente para assistir.

Seriamos, então, todos Annie Wilkes? Reféns de mundos imaginários que deixamos afetar nosso dia a dia? Capazes de destruir a vida de alguém por nao concordarmos com suas posições, e cada vez mais puritanos à ponto de nos recusarmos a crescer, com uma aversão a palavrões e ao sexo?

Seria então Louca Obsessão uma previsão da castração imagética oferecida pelo mundo tecnológico?

Olha, provavelmente não, mas me diverti tanto escrevendo essa teoria como assistindo ao filme pela segunda vez - e o fato de a teoria, agora, ser também realidade para quem a ler, se torna o toque final sobre o poder da autoria coletiva.

Se é algo que faz bem, daí é outra história. E Stephen King tem várias.

8

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