Crítica | moisturizer - Wet leg

Todo mundo tem algo a falar sobre amor.


Há uma beleza quase sobrenatural em ouvir algo impactante de quem menos se espera. É mais legal ainda quando essas conversas de calçada entre mentes embriagadas (seja pelo álcool ou pela paixão), que apenas buscam um refúgio terapêutico improvisado e gratuito, geram essas catarses desarmantes diante de nossos ouvidos desprevenidos.

Sinceramente, eu não lembro de nenhuma vez que busquei reciprocidade nesse tipo de conversa. É pouco dialético e muito psicanalítico. Porém, é muita ingenuidade acreditar que alguém, neste mundo, não carrega sua própria maneira de refletir e dizer o que pensa sobre amor.

E justamente no momento que o tópico é amor romântico - essa estranha matéria onde se sabe tudo e nada ao mesmo tempo - a experiência se torna ainda mais curiosa (no melhor sentido) ao se ouvir o segundo disco da Wet Leg.


Rhian Teasdale nunca foi uma compositora inclinada ao romantismo. Mesmo quando algumas faixas do primeiro álbum da dupla britânica trazem o amor no título (Being in Love, Loving You), o que chama a atenção nelas é muito mais sua proposta de ser uma antítese à ideia do amor como algo puro e belo (“I need to lie down, only just got up, I feel so uninspired, I feel like giving up, I feel like someone has punched me in the guts, but I kinda like it ’cause it feels like being in love”).

E se não for petulante da minha parte afirmar alguma coisa sobre a escrita desse tema (entendo sua subjetivade), asseguro que ninguém escreve sobre amor porque quer, mas sim porque é compelido a tirar de si sentimentos poderosos - e assustadores - demais pra serem verbalizados. Como bem descreve Aimee Cliff, em seu texto para a Pitchfork, este álbum nasce de alguém que acaba de receber a prescrição de óculos e fica atordoado ao enxergar o mundo claramente pela primeira vez.

Sensorialmente, o sol parece mais quente, a chuva deixa de ser apenas química e passa a ser divina (“We won’t even care if we get shitty weather”; Davina McCall), dirigir se torna uma experiência a dois (Pokemon) e vida e morte conversam de forma mundana e divertida (CPR). Rhian Teasdale se apaixonou, e seu segundo álbum explora todas as nuances disso da forma menos dialogal e reflexiva possível, como sua versão do que está acontecendo fosse a primeira na história.


Sonoramente tudo se expande em comparação ao primeiro álbum. Ao confundir uma taquicardia com estar apaixonada, Riffs de guitarra sensuais se misturam a sirenes. A performance vocal de Teasdale em CPR demonstra a indiferença mentirosa de quem acabou de provar a melhor comida da sua vida mas não sabe dar o devido reconhecimento àquilo por uma falta de paladar mais experiente.

Em contradição à irracionalidade nascida do sentimento, tudo aqui parece melhor pensado e estruturado. A já mencionada Davina McCall (minha música favorita do disco) é uma pausa ao frenesi e um olhar atento às coisas ao redor. Pond Song tem como característica marcante suas guitarras abafadas que habitam um território melódico extremamente caloroso e magnético. Logo em sequência, Pokemon, com seu sintetizador etéreo e seu refrão pronto para multidões, evoca muito bem o fechar de olhos que permite sentir todas nossas correntes sanguíneas carregarem o irrefreável fogo de uma paixão incipiente.

A sexual Pillow Talk é uma ótima versão do que Josh Homme e o Queens Of The Stone Age fariam se quisesse se aproximar do pop e estivesse compondo inundados de tesão. 11:21 retrata muito bem a insegurança intrusiva gerada pela distância. Crua e aberta, guiada muito mais por sua linha de baixo e seus pratos, que pontualmente trazem sua narradora de volta à realidade, é um dos pontos fortes do álbum, que termina em grandessíssimo estilo com a tênue, porém contagiante, u and me at home again, que, entre gritos empolgados e risadas encaixadas na mixagem, nos diz que o amor não é só o que se fala, mas o que se sente errado e se vê de forma linda, criando esse descompasso de elementos quase impulsivo que nos permite continuar tentando.

7.5


Próximo
Próximo

Crítica | Cloud (2024)