Crítica | Viva: A Vida é uma Festa

Depois de muita insistência do resto da equipe Outra Hora, finalmente assisti à “Coco”.

Por qualquer motivo, entrou na lista de filmes que fico postergando até que as circunstâncias aconteçam e os planetas se alinhem, o que foi nessa terça-feira, meu segundo dia de isolamento do Coronavirus, com o Telecine aberto. O porquê de ter demorado tanto, realmente não sei, pois tenho um apreço considerável pela Pixar - que fez minha infância mais feliz - e acredito que o estúdio tenha próximo de dez filmes que já entram na categoria de clássicos. Isso em menos de 30 anos.

O mais estranho é que “Coco” - e se utilizo seu título original é porque o brasileiro simplesmente joga fora o significado real do longa - despertou meu interesse logo quando foi anunciado: um filme situado no México um ano após a vitória de Trump nas eleições e com uma palheta de cores que sempre me chamou atenção por motivos que não sei explicar.

Logo, fiquei um pouco decepcionado comigo mesmo ao constatar que não gostei do filme da forma que gostaria de ter gostado.

Situado em um vilarejo mexicano e, mais especificamente, no feriado do dia dos mortos, acompanhamos o jovem Miguel e sua vontade de se rebelar contra as tradições da família e perseguir uma carreira como músico. Após certos acontecimentos, ele acaba passando para o mundo dos mortos e tem de retornar antes do fim das festividades, ou ficará lá para sempre.

A premissa é mais um claro exemplo da forma da Pixar, mas se os estúdios são mestres em criarem personagens icônicos, faltou algo à Miguel para que se destacasse perto de Woody e Buzz, Mike e Sullivan, a Família Incrível, a própria Dory, entre outros. Ele é um menino com um grande coração e é fácil de torcer por ele, mas jamais passa perto do carisma dos nomes acima e de tantos outros, mesmo com o excelente trabalho de Anthony Gonzalez (sim, assista no idioma original). O mesmo pode ser dito dos membros de sua família, que vão desde o meramente coadjuvantes ao quase insuportável - no caso, sua avó. Já o destrambelhado cachorrinho Dante, por mais que não tenha um visual exatamente “fofo”, se mostra adorável em suas atitudes e a justiça que recebe do roteiro é gratificante, enquanto o vilão, que prefiro não comentar quem é, pode ser considerado um dos mais ameaçadores e complexos dos estúdios, justamente por ser possível entender que seu medo é o mesmo de todos os outros personagens.

Porém é Hector que, interpretado por Gael Garcia Bernal - e por mais que seja possível prever o desfecho de seu arco muito antes do que os roteiristas gostariam -cativa por seu jeito desengonçado e, justamente, pela emoção na voz do ator quando lhe é requerido tocar o coração do espectador. Algo que, diga-se, “Coco” faz com excelência - especialmente em uma sequência de cenas no final que amarram bem a história do ponto de vista narrativo e emocional e potencializam o impacto de “Remember Me” que, até então, não havia me pego. A música do filme, inclusive, não funcionou para mim como para tantos outros sendo que, em um longa com ela como premissa base, esperava consideravelmente mais.

Porém, se as batidas do roteiro são consideravelmente previsíveis - eu, que sou péssimo nisso, farejei o plot twist muito cedo -, o mesmo não pode ser dito dos visuais que figuram entre os mais criativos e deslumbrantes que eu já vi em uma animação. Se o vilarejo onde Miguel mora toma contornos realistas - as rachaduras nas paredes, a paleta de cores áridas, os pequenos detalhes aqui e ali que compõe cada casa e cômodo - sem jamais parecer aborrecido, a cidade dos mortos é um festim aos olhos por seu surrealismo, com suas muitas cores e edifícios que, por mais amontoados que sejam, soam alegres e aconchegantes. A presença de diversas cores fosforescentes, principalmente o laranja, poderiam soar quase enjoativas com a saturação errada, mas o trabalho de iluminação de Danielle Feinberg faz o balanço perfeito entre a noite e as luzes daquele local que tinha tudo para ser assustador, mas se torna uma verdadeira celebração da cultura mexicana.

E é nisso que “Coco” realmente se destaca em relação a seus primos e primas, empregando significados que, por mais simples que sejam, celebram o amor e a compreensão de culturas que não a norte-americana. Além dos lindos contornos que toma o feriado do Dia dos Mortos, há uma quantidade suficientemente aparente de pontadas no capitalismo desenfreado, onde um tem que subjugar o outro para suceder, mas mais importante que isso, é a forma como o roteiro amarra essa critica social ao seu tema principal: a “imortalidade”, que só pode ser atingida pelas memórias que deixamos na Terra. Pois não importa qual sua religião, crença ou procedência, mas as marcas positivas que fazemos em outras pessoas podem, definitivamente, ser consideradas uma extensão linda e natural de nossas vidas.

Atrativo para o público infantil e esperto o suficiente para prender a atenção dos adultos, é em seu final, como comentei antes, que “Coco” parece inverter seu público alvo, demonstrando emoções complexas demais para crianças entenderem por completo e que mesmo nós, que já estamos anos fora da demografia alvo da Pixar, talvez não sejamos maduros o suficiente para lidar sem que as lágrimas encham nossos olhos. Ao final tudo que aqueles personagens querem é que sejam lembrados até que possam, novamente, construir memórias com aqueles que mais amam.

Algo que todos nós, em algum momento da vida, vamos desejar com a mesma força.

8.3

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