Crítica | Christine, o carro assassino

O fetichismo e o pequeno burguês

Filme fundamental de Carpenter explora ideias plantadas em sua obra ao limite em um grande filme de terror.

Quem é Christine? O carro vermelho-cereja chega na vida suburbana de um grupo de adolescentes e transforma sua história. Tocando apenas rock clássico na sua rádio Christine estimula os sonhos e fetiches da classe média norte-americana a partir da sua relação com um jovem arquétipo de Hollywood, o nerd. Os outros arquétipos na sua volta, the-girl-next-door, o atleta, o valentão se sentem desafiados também pela chegada do carro que “tecnicamente” é uma antiguidade, como nos conta Arnie, o nerd, quando compra ela de um velho estranho.

A chegada de Christine é alavanca de mudanças imediatas no status quo, Arnie começa a namorar a colega mais cobiçada de sua escola e seu amigo, o super-atleta loiro bonito e herói tem uma lesão no instante que vê o carro reformado pela primeira vez, deixando o herói inválido por todo segundo ato da trama. Claro, ao ver a mudança no estado das coisas o valentão que costumava maltratar Arnie toma providências e destrói o carro junto com seus amigos. Carpenter mostra esse momento com forte chuva tomando conta da cena, e a partir daí o chão está sempre molhado, assim vemos o reflexo de Christine na água enquanto ela executa sua vingança.

Esses arquétipos todos são legados de uma classe média suburbana que já passava a diminuir com a desindustrialização dos estados unidos no governo Carter, processo acelerado na era Reagan, o filme é de 83, mas se passa em 78. Ao tratar Christine como esse ser místico e poderoso, fruto da indústria automobilística dos anos 50 que havia desacelarado nos 30 anos de Christine, os personagens buscam o passado glorioso que não viveram. O fetiche de Arnie com o carro vai além da sua cor vermelha (que não é mais fabricada), Christine é fruto de uma relação social que já não existe mais e sua idealização como espaço onde o sonho americano estava no auge.

Ao final claro que os personagens voltam a ocupar o espaço designado pelo cinema, o herói salva o dia derrotando Christine e fica com a mocinha, o que custa a vida de Arnie. A personagem encerra o filme dizendo “Eu odeio rock and roll” e num último segundo Carpenter nos permite ver que Christine volta a se regenerar aos poucos, quer dizer, os problemas de Arnie e seus amigos em 78 obviamente continuaram, são os problemas do capitalismo na sua fase neoliberal. A classe média vai continuar sonhando com um passado em que era menos miserável, os homens vão continuar buscando a violência para legitimar a impotência de estarem de fora do mundo sexual e Christine continuará sendo vermelho-cereja.

10

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