Crítica | Não se preocupe, querida
Um tanto óbvio, o filme novo de Olivia Wilde fica abaixo da expectativa. Mesmo assim, “NÃO SE PREOCUPE, QUERIDA” APRESENTA belo visual e uma atuação espetacular de Florence Pugh.
Em 2019, Olivia Wilde lançou sua carreira como diretora de cinema, o seu “Fora de Série” alcançou grande prestígio de crítica pela temática relevante, bom roteiro e visual bem trabalhado em prol de uma narrativa criativa. Quando foi anunciado que lançaria seu próximo filme “Não se preocupe, querida”, isso foi suficiente para gerar curiosidade com o que ela apresentaria para seguir sua carreira, já quando lançado o trailer soubemos o tom sério de crítica feminista e bastante psicológico. A realidade, porém, é que não tem nada no filme que supere seu próprio trailer e o que poderia ser uma crítica profunda escorrega em obviedades, plot twists previsíveis e uma mensagem rasa, que parece um episódio de “Black Mirror” de mais da conta. Ainda sim, o jeito que Wilde constrói seus cenários, e enquadra as cenas se destaca, conseguindo transitar entre alívio e tensão com facilidade e nos ajudando a construir e perceber os problemas naquilo que vemos acontecendo junto com sua protagonista. A personagem principal, interpretada por Florence Pugh, é o outro pilar de sustentação dos 120 minutos de duração, que parecem correr rápido, mas deixam mais coisas mal resolvidas do que a sensação de uma história amarrada.
Três casais jovens e bonitos riem e se divertem em uma casa, ao som de rock, jazz e R&B dos anos 50, uma festa com muita bebida e jogos em uma bela casa mostra o clima total de alegria e descontração. Conhecemos Alice e Jack Chambers (Florence Pugh e Harry Styles), um casal tão apaixonado que parecem viver em eterna lua de mel segundo sua vizinha e melhor amiga Bunny (Olivia Wilde). Numa cidade no meio de um deserto perfeitamente organizada cheia de palmeiras evocando um subúrbio da Califórnia vemos quando todos os homens saem com seus carros para o trabalho em sincronia enquanto suas mulheres se despedem na porta com beijinhos e quentinhas para almoço, antes de todos dirigirem seus carros pelo deserto em direção ao misterioso Projeto Vitória. Enquanto seus maridos trabalham, as esposas fazem atividades como praticar balé com uma professora que ressalta a cada momento a importante da ordem, fazem compras de roupas e decoração (tudo já pago pelo Projeto Vitória), arrumam suas casas e fazem jantas de quatro ou cinco pratos para esperar seus maridos, enquanto escutam uma voz masculina dando lições sobre a beleza de um mundo ordenado ou mais música dos anos 50.
Quando a amiga de Alice, Margaret (Kiki Layne) vai ao deserto, proibido para as esposas, e volta parecendo estar fora da realidade, Alice começa a questionar algumas questões do mundo em que vive que parecem não fazer sentido. Os primeiros sinais de uma realidade estranha surgem logo nos primeiros minutos de trama, Wilde ambienta a narrativa em um espaço que, apesar de gritar anos 50 na cara do espectador deixa muito visível que parece mais nostalgia recriada do que de fato uma vida décadas atrás. Conforme Alice vai assimilando e alucinando coisas a partir de estímulos do mundo a sua volta, o desconforto da personagem em relação ao ambiente cresce e a edição e fotografia ressaltam isso através de cortes rápidos e enquadramentos que fazem parecer que a protagonista está sendo sempre observada, seja externamente através dos vidros de sua casa ou internamente utilizando muitos espelhos. Quando conhecemos Frank (Chris Pine), o chefe do Projeto Vitória, reparamos a liderança e assertividade, sabemos que os homens tratam ele como um grande líder, mas não sabemos o motivo de nenhum deles estar lá. É justamente na cena que ele aparece a primeira vez que Margaret grita no meio de todos com um olhar perdido sobre o fato de nenhum deles dever estar lá.
Ambientado num lindo paraíso no meio do deserto e construído visualmente para pontuar a beleza e as formas geométricas em cada quadro, “Não se preocupe, querida” realça os recursos de Wilde atrás das câmeras, mas o roteiro assinado por Katie Sliberman (que já havia trabalhado com a diretora no seu filme anterior), e história dos irmãos Shane e Carey Van Dyke, deixa muito a desejar em diversos sentidos, o mais notável deles é a falta de profundidade temática além de “gaslighting” é ruim. O subgênero “e se vivêssemos em uma simulação” já foi mexido e remexido vezes demais a essa altura para que não seja óbvio demais e uma nova versão dessa história sem nenhuma nova ideia apenas enfraquece as propostas discursivas de “Não se preocupe, querida” com inúmeras reviravoltas previsíveis, falta de ritmo entre as relações de causa e consequência a partir de novas informações e desperdiçando oportunidades para tocar em temas mais criativos. O longo roteiro é salvo por, mais uma, performance destruídora de Florence Pugh na frente das câmeras, que conduz o público pelo crescente desespero da protagonista, por outro lado, o iniciante Harry Styles está longe da profundidade necessária para contracenar com uma atriz do calibre de Pugh e conforme a tensão vai subindo, os dois encontram disparidade técnica (o que faz pensar: como seria com Labeouf?).
Mas todos esses elementos visuais e narrativos positivos ou negativos não escondem a falta de temas e a dificuldade em apresentá-los, há algumas questões no mundo contemporâneo que “Não se preocupe, querida” tangencia sem se aprofundar, talvez o mais importante seja a figura do tech guru ultra conservador amado por homens, no filme representado por Frank e na vida real pelos Elon Musk e afins, temática que é usada só como gatilho para a história de Jack e Alice e que poderia ter ecoado muito mais pela história. A cumplicidade das mulheres com o status quo é outra questão que aparece na superfície mas não na raiz temática da história que o roteiro tenta desenvolver. Dito isso, o filme é assustador em alguns momentos, tenso em outro e um espetáculo de Pugh em todos.