Crítica | Frank Ocean - Blonde
álbum disponível no fim do post
O que falar de uma capa como essa? O que podemos absorver de uma simples foto, de Frank Ocean com o cabelo verde, embaixo de um chuveiro cobrindo o rosto com uma das mãos? Possivelmente nada do que realmente seja, ou talvez, toda a justificação do que ouvimos em "Blonde".
Blond, em inglês, é o adjetivo masculino para loiro, enquanto Blonde é o adjetivo feminino. Na capa está escrito Blond, o nome do álbum é Blonde. É impossível explicar com exatidão o que Frank quis dizer, afinal ficou bem claro em "Nostalgia, Ultra" e "channel ORANGE" que a mente e o coração de Frank Ocean não são comuns. Talvez não queira dizer nada, mas talvez o cabelo verde seja uma tentativa falha de pintar o cabelo de loiro que agora ele tenta corrigir, enquanto cobre o rosto de vergonha por ter tentado ser algo que ele não é. Talvez tentar ser Blond, quando na verdade é Blonde, ou vice-versa. Seja essa ou não a explicação principal, ela se encaixa muito bem com o que ouvimos no álbum, uma narração complexa, cheia de detalhes e de possíveis outros significados e rumos, sobre a vida de um dos artistas mais enigmáticos do nosso tempo.
Eu, assim como muitos de seus fãs, esperava mais por esse álbum do que qualquer outro lançamento em 2016. Vasculhava a internet atrás de pistas e a cada nova notícia via as minhas expectativas aumentarem.
Durante esses quatro anos que pareciam não ter fim (até a Adele se manifestou), algo definitivamente aconteceu. Frank Ocean deve ter sofrido muito (ele tem um curativo no seu dedo na capa), mas também achou algo em que se apoiar. Talvez não seja nem o amor dessa vez, mas um senso de confiança em si mesmo que não existia em "channel ORANGE". "Blonde" é inteiramente sobre separação e experiências fracassadas. Essas, acarretam ensinamentos valorosos, mas não valorosos o suficiente para diminuir a dor. Aqui, essas experiências são contadas, refletidas e meditadas, em um álbum que está completamente dedicado a superar tudo.
Sua musicalidade contribui para isso. Fora a excelente abertura "Nikes", uma faixa pós-era-TheWeeknd, com uma vibe quase drogada, onde sua voz distorcida se estende por metade da canção, poucas músicas oferecem qualquer coisa parecida com uma batida, o que cria um senso quase homogêneo de liberdade pela falta de melodias das produções. Sempre que há traços mais reconhecíveis, eles são longe do usual. Talvez o melhor jeito de descrever seja como algo alienado, um loop psicodélico, que é completamente absente do mundo normal. Em seus momentos mais peculiares, sempre que "Nights" começa, parece usar "Firework" da Katy Perry de sample. "Pretty Sweet" tem a batida idêntica à "My Favorite Things" do Outkast, e "Futura Free" é tão futurística que soa estranha agora.
Suas letras estão mais metafóricas do que nunca e funcionam como maravilhosas peças de um mosaico ainda por ser finalizado. Em seus melhores momentos, ele contextualiza suas histórias pessoais em simples, mas extremamente tocantes meditações sobre seus relacionamentos passados. Em "Ivy", ele lamenta um relacionamento que parece não funcionar mais, enquanto relaciona seus sentimentos à tragédia que é crescer. É uma faixa simples e um tanto alucinógena, como a planta parasita que dá nome a canção, e que traz uma performance ao mesmo tempo apaixonada e desacreditada de Ocean. Talvez a melhor música do álbum.
Em "Self Control", sua voz está completamente nua em uma música tão pessoal que nos sentimos quase intrusos. Aqui ele sintetiza o que "Blonde" pode significar.“You cut your hair but you used to live a blonded life” . Sua voz puxa ao máximo no primeiro verso, e no segundo ele quase a arrasta, em um de seus momentos mais vulneráveis no disco.
Há algo sobre "Solo". Talvez seja algo que lembre "channel ORANGE", ou talvez seja sua deliciosa melodia. Suas letras parecem tão complexas que sugerem que Frank tenha passado um bom tempo as escrevendo, mas ainda soam como algo que possa ter sido feito em não mais do que uma bela manhã. Ele achou algo lindo em estar "Solo", o quão feliz, ou triste, isso possa significar.
As contribuições acabam aparecendo menos do que gostaríamos. Mesmo que a voz de Beyoncé seja um aquecimento maternal para as letras cheia de sentimentos ambíguos na ambiente e poderosa "Pink+White", boatos sugeriam que Kendrick Lamar estaria em "Skyline To", que por si só é, sim, uma ótima canção, mas pálida quando comparada a outras do disco. Mesmo assim, suas presenças em peso talvez não ajudassem "Blonde". Enquanto que um show solo não seja uma boa expressão para o que ele fez aqui, ninguém vive no mesmo plano que ele, então qualquer coisa que tire a atenção deste mundo diferente, não é exatamente bem vindo.
"Nights", por exemplo, é uma obra nada convencional, possível apenas para Frank Ocean. Uma música de duas partes sobre noites atuais e passadas, e muitas coisas que acontecem nelas. Ela começa confiante, com uma atmosfera alegre, que passa por cima dos sentimentos ruins.“Hope you doing well bruh” ele fala com ironia. Apenas para acabar em um modo quase Drake, depressivo, colocando detalhes escuros em uma história que parece uma vida resumida em cinco minutos.“It’s my everyday shit, every night shit”.
As primeiras nove faixas de "Blonde" são a melhor sequência em qualquer álbum de 2016.
Tendo a achar que seu valor não está no formato de álbum, e sim em algo que o transcende. Existem muitas intros e diálogos aqui, que deveriam funcionar para o conceito, mas acabam se concentrando demais no meio do álbum, quase quebrando a magia das primeiras faixas. Não chega a ser um espaço de tempo desperdiçado, mas é desafiador, ainda mais à primeira ouvida. A inacabada “Good Guy”; a fora de contexto participação de André 3000 em “Solo (Reprise)” que mais parece uma faixa de outro álbum; “Pretty Sweet” uma conturbada e caótica mistura de sintetizadores e cordas sem qualquer forma; a história que mistura realidade e virtualidade contada pelo produtor SebastiAn em “Facebook Story”; e finalizando com um cover do cover de Stevie Wonder da faixa de Burt Bacharach, extremamente influenciado por Earl Sweatshirt. Todas essas não somam oito minutos e apesar de serem o ponto mais recheado do álbum em conceito, se fazem extremamente difíceis de se digerir vez após vez.
A primeira faixa propriamente dita desde “Nights”, no entanto, é uma das melhores alegorias para relacionamentos de 2016, um ano cheio delas, muitas tentativas baratas.“I care for you still and I will, forever, that was my part of the deal, honest, spending each day of the year, we got so familiar” "White Ferrari" está aí para partir corações. A voz de Frank é sincera e a melodia calma e paciente, ainda achando espaço para uma bela interpolação de “Here, There And Everywhere” dos Beatles que, perdoem me, soou melhor na voz de Frank. A faixa então é seguida por "Siegfried", outra contemplação sobre um relacionamento a muito terminado, mas em outra escala, mais depressiva. É uma história contada de forma tão poética que seu sofrimento parece ao mesmo tempo mais duro e bonito. Ninguém em muito tempo conseguiu entrar na mente do homem do século 21 tão bem, é uma faixa que explora os lugares e desejos mais obscuros, que quebra qualquer possibilidade de reconciliação. "Siegfried" é uma conquista lírica, uma das peças mais preciosas de 2016.
“Been living in an idea, an idea from another man's mind, Maybe I'm a fool, to settle for a place with some nice views, maybe I should move, settle down, two kids and a swimming pool, I’m not brave, I’d rather live outside, I’d rather live outside, I’d rather go to jail, I’ve tried hell”
"Godspeed", propriamente a última canção do álbum, bota um fim neste relacionamento que tanto o machucou, mas não termina com o amor. “I’ll always be there for you”, sua voz firmemente confirma, e finalmente parece que ele conseguiu superar a separação, e mesmo que seu coração ainda esteja comprometido, ele pode agora seguir em frente.
O que conta aqui é como ele não apenas abre sua vida e seu coração, mas os rasga em pedaços, deixando para nós examinar o quanto quisermos. Ele não liga para isso, ou para o Grammy ou outros prêmios, Frank Ocean habita um mundo diferente do nosso. Ele está em um mundo onde o amor está além de tudo e pode nos salvar dos piores pesadelos, que são tão reais que ele prefere escapar do que enfrentar. Até quando ele menciona Trayvon Martin, um dos jovens afro-americanos morto por policiais, em "Nikes", ele está falando sobre sua normalidade, that nigga looks just like me, como se ele próprio pudesse ser morto a qualquer momento.
As maravilhas desse mundo são que ele, um homem, negro e bissexual, pode se preocupar apenas com seu amor por outras pessoas e por si mesmo, mesmo que saiba que no mundo real caras como ele morrem todos os dias. Aqui ele conta muitas de suas histórias, se apaixona, chora, termina, se arrepende, e aprende. É uma narração, abrangente e gratificante, que é mais para ele do que para nós.
"Blonde" sucede em ser o álbum mais humano e pessoal de 2016. Até mesmo mais que "Lemonade" ou "Pablo", é uma investigação pura e ousada da mente de um homem perfeitamente normal no estranho mundo que ele criou. Se é melhor que "channel ORANGE", talvez não seja essa a discussão. É ao mesmo tempo mais e menos relacionável, de um jeito completamente diferente. Pode ser que seja considerado uma obra prima um dia, ou podemos apenas sentar aqui e estudar não como um álbum, pois não funciona como um.