Crítica | O Hóspede

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Assisti esse filme com um amigo achando que seria um suspense e, assim que terminou, comentamos como nos divertimos praticamente na mesma medida. Porém ele julgava ser pelo fato de o longa ser “assumidamente ruim” por ser “galhofa” enquanto eu…

Realmente acho que “O Hóspede” é um bom filme. Ou melhor, muito bom.

Dirigido por Adam Wingard, o cara que transformou a obra prima chamada “Death Note” em um dos piores filmes que já assisti - embora, olhando com olhos de hoje, aquele sim é um filme assumidamente ruim e que funciona como comédia -, “O Hóspede” é como uma versão reduzida de “Drive”, sendo que aquele procurava na hiper-estilização encontrar qualquer significado em sua premissa simples, ao passo que este opta por uma abordagem muito mais “simplista” para uma premissa consideravelmente mais intrigante.

Trazendo um personagem (impostor), e trama, clássicos da Literatura e Cinema na figura de David Collins, um homem que diz ser amigo do falecido Caleb e que veio visitar sua família para cumprir seu último pedido feito no suposto momento de sua morte, Wingard sucede em criar uma espécie de mito em torno do jovem homem. Jamais entendemos suas motivações, ou nem quem ele é de verdade, e isso surpreendentemente ajuda o filme, pois é como se aquele momento esperado de super-exposição (o qual eu e meu amigo antecipamos) nunca chegue de verdade, configurando uma surpresa grata que não apenas torna David ainda mais interessante e misterioso como personagem, mas nos convida a esquecer a “lógica” e apenas apreciar a energia da narrativa.

Esta que dá as caras logo cedo: iniciando a projeção abraçando o suspense, Wingard reverte as expectativas ao mostrar que não apenas David não é quem diz, mas nos fazendo questionar logo cedo presunções que temos antes mesmo de o longa começar. Pois se nas primeiras cenas a câmera parece sugestiva, se movimentando sutilmente e procurando pequenas expressões que revelem mais do que os diálogos, o diretor logo nos apresenta a uma série de sequencias que enfim nos mostram o mundo do filme. Em uma delas, David arrebenta os bullies do irmão mais novo de Luke, em outra, seduz sua irmã saindo do banheiro sem camisa (isso mesmo) com um Rock tomando conta da trilha sonora. E prestem atenção na edição, do próprio Wingard, e como ela segue os movimentos com raccords bem coreografados que evidenciam o quão cinematográfica é a luta no bar, algo que “Kingsman” faria sem propósito algum um ano depois e seria amado por.

Assim, o filme logo derruba a ideia de que foi feito para te deixar assustado ou enervado, como seu título acompanhado de um grave na trilha sonora (que se torna mais psicodélica, artificial e insana ao longo da projeção) remetente ao “Iluminado” parece sugerir, e logo parece se encontrar mais próximo de clássicos do Slasher dos anos 80. Além disso, existem outras pérolas que jogam a tensão pela janela, como David carregando latões de cerveja, ou falando para Luke colocar fogo na casa dos inimigos ou em meu momento favorito, que mostra a autoralidade do cinema de Wingard: acompanhando a mãe do garoto na reunião da escola (!), ele entoa um discurso que, nas mãos de qualquer oportunista, poderia se encaixar em uma cinebiografia Oscarizável, mas aqui soa como uma piada hilária.

De negativo, sinto como se esta falta de “lógica” narrativa se estenda demais para os pais da família que, por mais que tenhamos cenas que mostram como se aproximam de David, parecem em uma batida diferente da abordagem geral da projeção. O que não pode ser dito do jovem Brendan Meyer e do agente interpretado por Lance Reddick, que quase me convence que toda a parte “projeto secreto” funciona. Mas quem se destaca de verdade é Maika Monroe, que logo protagonizaria um dos meus terrores favoritos em “Corrente do Mal”, e que rivaliza com Anya Taylor Joy como as melhores reversões das “loiras assustadas” do cinema moderno. Inteligente, com complexidades próprias e com um olhar cético que não poderia ser mais adequado, a atriz ainda ganha um momento icônico no final onde, em meio à fumaça de gelo seco, dispara tiros com a câmera centrada em si e seu quase cartunesco uniforme de garçonete.

Mas “O Hóspede” é, definitivamente, do homem que dá título ao filme. Dan Stevens não apenas entende a abordagem de Wingard, mas dá vida a ela, e com o pouco que entendemos de sua condição (de que não tem escolha a não ser se auto-proteger ou qualquer coisa do tipo) é possível até tentar entender a complexidade de seu personagem. É difícil dizer que ele não se importa de verdade com os irmãos ou pais de Caleb (afinal, matou por eles!), mas a maneira sádica que parece se divertir com a própria vilania sugere que seu prazer está acima de tudo. Totalmente oposto do Motorista de Ryan Gosling, é incrível como até nisso ambos os filmes se contrapõem (e e embora eu prefira aquele, este não é tão considerado apenas por abraçar a tal galhofa) e, surpreendentemente, nos pegamos nos perguntando ao final quem é o tal hóspede, mas com curiosidade, não confusão.

Finalizando com uma cena que parece rir da cara de qualquer pessoa que não gostou do filme justamente por isso, “O Hóspede” é um sucesso absoluto no que se propõe a ser, e caso você esqueça essas amarras de que apenas o que parece “real” é bom, vai se divertir do início ao fim.

8

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