Crítica | a fantástica fábrica de chocolate (1971)

A MAGIA DO MUNDO REAL

Clássico de 1971 encanta por transformar o real em fantasia


O ano era 2000 e alguma coisa, o dia era provavelmente sexta ou sábado a noite, e esperava ansioso pra assistir o tal A Fantástica Fábrica de Chocolate que minha prima tinha me dito que ia passar no SBT. Pensando agora, deve ter sido próximo ao lançamento da versão de Tim Burton, que por mais que seja um diretor com um estilo próprio, me pareceu mais uma mutilação da magia dessa versão de Mel Stuart do que uma subversão.

Lembro da sensação de assistir, dublado, o encantamento de Charlie com o mundo que se abria a sua frente - que, hoje, entendo como análogo a porta que se abre para Dorothy em O Feiticeiro de Oz (1939) -, de eu mesmo fantasiar em mergulhar no rio de chocolate, de me assustar com a aura distante e misteriosa de Gene Wilder, de tentar entender a triste economia que fazia a família de Charlie ser tão pobre.

Era o tipo de feitiço que apenas o garimpo aleatório da TV aberta - ou mesmo da fechada - permitia. Assim como eu, diversas crianças que conheceram o Cinema por momentos assim, por sessões que geravam antecipação (para assistir o filme novamente, apenas esperando uma reprise ou indo até a locadora) e que se tornam importantes e singulares justamente por isso.

Sou um ferrenho crítico dos serviços de streaming, mas minhas críticas tem um tom paradoxal: primeiramente, como cinéfilo, acho absurdo pagar uma fortuna e não ter todos os filmes a disposição (algo que os aplicativos de música conseguiram solucionar), segundamente (o Grêmio, três vezes), como alguém preocupado com a próxima geração, que para assistir todo o catálogo da Disney basta ter um controle nas mãos. E não vão ter a tarefa de rebobinar a fita, de analisar as capas, de se perguntar o que acontece depois. Está tudo ao alcance de um clique: a magia da tecnologia, acabando com a magia do mundo.

E indo além: boa parte dessas crianças vai pular os clássicos, indo direto para o festival de CGI impessoal que se tornou o Cinema “Infantil” norte-americano. Filmes que gastam milhões para não precisar filmar um ser humano sem um aparato que o faça parecer um personagem de Tron, ou que jogam direto pro computador o que antes era uma tarefa manual de desenhar, errar, apagar. E não que não possam existir bons filmes assim (a Pixar fez alguns), mas ao assistir este A Fantástica Fábrica de Chocolate original com meus irmãos (semanas depois de assistir o novo, com Timoteo Chalamet nos cinemas), fiquei impressionado com o que um filme com imagens reais pode fazer com a cabeça de uma criança.

O mais novo, de 12 anos (mas com inocência de 10), falou em um momento: mano, esse filme é melhor que o que a gente viu, né? Pois com seus cenários, suas maquetes, suas centenas de barras de chocolate com embalagens impressas de verdade, o filme de Mel Stuart cria o fantástico com as propriedades que o mundo oferece. Tal qual as cartas de Harry Potter, ou os gramados de Senhor dos Anéis. Filmes que nos permitem, entre Oompa Loompas, dragões e elfos, acreditar em mundos extraordinários que, de fato, existem.

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