Crítica | Nomadland

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Escrito e Dirigido por Chloé Zhao, a partir do livro de Jessica Bruder, “Nomadland” nos mostra um Estados Unidos esquecido.

Um Estados Unidos onde pessoas vivem vagando por paisagens descampadas, desertos quentes e frios, muitas por escolha própria, muitas por conta da vida que as traiu. No caso de Fern, a Grande Recessão de 2008 e a morte do marido foram apenas um motivo para fazer algo quanto ao que a incomodou a vida toda.

Universalmente reconhecido como um dos melhores filmes de 2020, candidato máximo ao Oscar e que pode dar estatuetas tanto para Frances McDormand como para Chloé Zhao (que seria apenas a segunda mulher da história a ganhar, depois de Kathryn Bigelow em 2010), “Nomadland”, talvez seja um grande filme, mas certamente não chegou perto de funcionar assim comigo. E, como gosto de fazer quando sou “do contra”, falarei o porquê disso mencionando apenas a “mim” no texto, pois não posso julgar que vocês não sentirão o mesmo que a maioria.

Remetendo diretamente a outras obras das quais falarei mais adiante, sinto como se, apesar de mostrar uma “história” fascinante por natureza e contar com uma direção realmente inspirada de Zhao (pela qual torcerei no Oscar), falta algo para este filme na mesma proporção que falta para a sua protagonista. Sem um início mostrado em tela e também sem um fim, a jornada de Fern é repleta de significado e discussões relevantes sobre a vida na América, mas apesar de se apresentar como um estudo de personagem, não é como se ela mudasse qualquer coisa dentro da uma hora e quarenta (que parece muito mais longa) da projeção. Conhecemos Fern, em algum momento escolhemos subconscientemente se simpatizamos com ela ou não, mas a experiência parece tão estagnada para ela que pouco me importei com o que quer que acontecesse.

E não que ela não questione a diferente vida que leva, porque o faz. Interpretada por McDormand como uma mulher forte e ao mesmo tempo intransigente e afetuosa, Fern “perde” seu olhar em diversos momentos. Em uma determinada cena, ela propositalmente se separa de um grupo e caminha em meio a algumas formações rochosas como se procurando algo, mesmo que nada ache. Porém é apenas em um diálogo expositivo com sua irmã que a entendi de verdade: inquieta desde pequena, ela sempre quis sair de casa, sempre se interessou mais pelo que estava lá fora, pelo que não tinha na mão, e chega a ser preocupante que esse sentimento não venha na forma de paixão, e sim de descontentamento. Apesar de se emocionar ao rever amigos e de lembrar da vida com o marido, teria Fern encontrado a felicidade verdadeira alguma vez na vida? Mas esses questionamentos parecem aquém do filme, o que não necessariamente é algo negativo, mas que funcionam melhor quando penso naquele estilo de vida em si, e não no filme propriamente.

Lento demais em sua primeira metade e sem qualquer estrutura de atos ou presença de incidentes que revirem a trama, “Nomadland” grita experimental, mas é como se nunca se permitisse mergulhar em um estilo que jamais faria sucesso absoluto em Hollywood. Sempre que vemos uma abordagem mais crua, quase documental das pessoas que compartilham daquele estilo de vida, Zhao volta a mostrar o quão deslumbrante são os lugares que as cercam e, talvez por isso, não senti nem a individualidade nem a grande escala que envolve todos eles. A própria McDormand está bem, mas é possível perceber a diferença de sua performance dos nômades verdadeiros com quem contracena, como se o que falassem fossem depoimentos das realidades que viveram, enquanto a atriz parece… bem… interpretar uma personagem escrita.

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Ainda assim, Zhao cria planos memoráveis, como aquele onde Fern segura uma rocha em frente ao rosto e enxerga, por ela, uma bela paisagem enquanto a câmera desliza suavemente para imitar o movimento de seu rosto. Conseguindo mostrar o funcionamento das comunidades de maneira delicada, a cineasta emprega quase imperceptíveis movimentos de câmera que torna sutil e pertencente a nossa presença, além de conseguir fazer a narrativa andar mesmo sem uma história a seguir. Gosto particularmente de como ela consegue andar junto a Fern e me chamou a atenção como, mais de uma vez, ela filma a mesma caminhada de ângulos diferentes como se a protagonista nunca percorresse um caminho grande aos nossos olhos, por mais que esteja sempre viajando - algo que, de maneira positiva, rima com a falta de direção da personagem, que por sua vez considero um problema no roteiro.

A fotografia de Joshua James Richards merece ser indicada a todos os prêmios possíveis por não impedir que a maravilha dos planos abertos tirem a atenção da tristeza e melancolia dos detalhes, já a trilha sonora de Ludovico Einaudi não cria nenhum tema marcante e entra em momentos esquisitos, raramente auxiliando ou provocando qualquer emoção. Por outro lado, a edição, da própria Zhao, entende a direção como apenas alguém que fez ambas poderia, mas questiono até agora a transição do plano que comentei acima, da rocha, para o de um dinossauro gigantesco - em um parque, não de verdade, duh.

Mas meu maior problema e talvez grande motivo de não ter me relacionado com “Nomadland” está, novamente, na falta de algo que mova a própria Fern. Com temáticas similares, “Na Natureza Selvagem” se tornou icônico pela forma melancólica como mostra que a vida é muito mais do que isso e “Capitão Fantástico” encantou pela leveza que adota para abordar os mesmos questionamentos, mas ambos conseguem algo que o filme de Zhao (que chega a brincar de Terrence Malik no final) jamais fez comigo: olhar, pelos olhos de outras pessoas, elementos da minha própria vida. Nesse sentido, “Nomadland” se assemelha mais ao depressivo “Leave No Trace” e ao perturbador documentário “Grizzly Man”, mas mesmo nesses dois, que jamais tentam nos fazer nos enxergar por seus protagonistas, é possível entender o que movia Will e Timothy Treadwell a viver a vida que levavam, uma inquietação que, acredito, Fern compartilhe. Infelizmente, é como se ela jamais nos comunicasse isso.

Em algum lugar aqui está o grande filme que todos os críticos estão enxergando. Mas, assim como a própria Fern e seu lugar naquele mundo, eu não consegui encontrar.

6.8

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