Crítica | Solar Power - Lorde
4 anos depois de dar vida a um dos melhores álbuns da década, Lorde reaparece mais incerta e contraditória que sua fase mais melodramática, por mais que não queira admitir isso.
“Um sopro de ar fresco com o poder de um furacão”.
Essa foi a definição do jornal The Guardian para Ella O'Connor após ela disponibilizar Melodrama ao mundo. Guardei a frase comigo durante 4 anos. A veracidade e o poder que carrega consigo é quase tão forte quanto o álbum em si, o qual enraizou expectativas em mim que eu talvez não imaginasse na época. Subvertendo minhas expectativas, por muito tempo Liability me acompanhou em meus momentos mais tristes e Perfect Places nos mais eufóricos. A então cantora de 20 anos soava despretensiosa ao dialogar sobre seus sentimentos mais privados, dando total liberdade a nós para nos acomodarmos sobre suas palavras mais emotivas e suas histórias mais exageradas. Era algo tão vulnerável que se tornava naturalmente relacionável, e esse é um assunto recorrente em minhas críticas: É muito mais fácil tocar um ouvinte através de pessoalidade do que de fórmulas prontas do gênero (das quais o Pop está infestado).
Nesse sentido, não há resquícios da força estrondosa do furacão de 4 anos atrás. Solar Power é um exercício de paciência. É ficar horas embaixo do sol, dessa vez rezando por pequenos sopros de ar. É principalmente um estranho paradoxo na carreira de Lorde.
Ao abrir o álbum com a atmosférica The Path, o prólogo de seu novo trabalho anseia nos dizer apenas uma única coisa: Ela não é a nossa salvadora. Lorde não quer o encargo de definir como e o que devemos sentir através de sua música. Automaticamente um gosto estranho vem a boca. Não é meio presunçoso cantar “You need someone to take your pain for you? Well, that's not me” para pessoas que nunca pediram isso à ela, e logo após, em Solar Power, se intitular de “Prettier Jesus” e nos chamar à praia para ouvir seus maiores segredos? Não querendo determinar como devemos nos sentir, Lorde faz isso pela primeira vez em sua carreira. Tentar seguir o álbum depois dessa percepção se torna complicado, afinal, nossa visão, agora limitada, não sabe mais se deve mergulhar de cabeça nas palavras, melodias e instrumentos que escutamos.
Mesmo que algumas faixas sejam interessantes, como a supracitada The Path, onde as harmonias vocais são encantadoras, a flauta cria um ambiente cinemático e imaginativo e a melodia do refrão completa o trabalho evocando um agradável fim de tarde de verão, ou a introspectiva Stoned At The Nail Salon, com a produção contida o suficiente pra ótima escrita de Lorde ecoar o mais alto possível, o tom de desabafo que elas carregam consigo soam mais condescendentes a cada nova ouvida. Por que em uma música ela nos pede para passar mais tempos com as pessoas que nos criaram sendo que a pouco tempo ela não queria saber de nossas dores? É algum tipo de piada? Um pouco de vitamina D não era a solução de todos os nossos problemas?
E falando em problemas, eles não param por ai. Talvez a maior decepção do álbum seja perceber as marcas de outras artistas em várias de suas músicas. O refrão de California Love estampa o rosto de Lana Del Ray, Secrets From a Girl (Who Seen It All) é apenas uma música ruim de Taylor Swift e Dominoes é embrulhada e assinada pra qualquer jovem de franja, que toca ukulele e ainda não sabe quem é como artista, cantar depois de ganhar o X-Factor. Tudo bem que Jack Antonoff produz as duas cantoras mencionadas, contudo, tanto o último álbum de Lana quanto o de Taylor repercutem originalidade. Isso sem esquecer Clairo, recém chegada no Colégio Antonoff, que desabrochou completamente como artista de mãos dadas com o produtor. A impressão que fica é que falta um pouco de atitude e personalidade por parte de uma das artistas mais originais da nossa geração.
Talvez a própria Lorde tapando o sol da capa seja uma contradição que a mesma não percebeu. O conceito do álbum, segundo ela, era nos proporcionar um projeto que pudesse nos acompanhar em dias de verão. Ironicamente, não há uma única música ensolarada (lírica e instrumentalmente falando) fora Solar Power. Não há como sentir o sol, tampouco seu poder. Pior que isso: nem vemos ele, mas sim, uma versão autoindulgente e confusa dela.