Filmes Para Toda Hora | Rei Leão

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Confesso que, de todos os filmes que já escrevi, e dos que ainda vou escrever, poucos foram/serão tão difíceis quanto “Rei Leão”. Afinal, 25 anos após seu lançamento e com inúmeras análises, listas e publicações dissecando a obra por completo, não há muito mais o que dizer desta que é uma das melhores e maiores animações da história do cinema. Ou, ousando ir mais além, um dos melhores filmes já produzidos.

Mas a chegada deste remake, que já se provou um dos três filmes mais aguardados de 2019 após “Vingadores” e “Star Wars”, nos faz revisitar, nem que seja em nossa memória, um dos filmes que mais marcou as infâncias mundo afora. Então, me vi nesta encruzilhada, a qual comentei acima, pois o que poderia falar sobre este filme que já não foi falado anteriormente?


Alguns filmes já foram tão analisados que não vale a pena repetir o processo anos depois de seus respectivos lançamentos. Portanto, nesta coluna do Outra Hora, tentaremos entender o motivo pelo qual alguns destes filmes impactaram multidões - e aquele que escreve o texto - em um caráter tão pessoal.


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Minha principal memória relacionada a “Rei Leão”, curiosamente, vem da sequência de 1998, a qual muitos consideram decepcionante em relação ao aclamado original. Porém, lembro como se fosse ontem as muitas vezes que pedia para minha mãe que pulasse, no VHS, o momento do exílio de Kovu. Era, e continua sendo, uma cena muito forte, emocionalmente carregada e talvez hoje, entendendo todas as complexidades por volta da construção daquele momento, desde a clara analogia à “Romeu e Julieta” ao perceptível comentário social e racial, percebo que poderia me emocionar até mais do que antes.

Mas a morte de Mufasa, indiscutivelmente uma das cenas mais tristes da história da sétima arte, não possui um lugar cativo nas poucas memórias que ainda guardo da infância. Talvez por um bloqueio emocional ou pelo simples fato de ter assistido a continuação mais vezes do que ao original, o que também não exclui a primeira hipótese. E hoje, re-assistindo aquela cena, ou melhor, relembrando-a, me emociono consideravelmente mais do que jamais poderia quando criança. Afinal, quando somos crianças, a morte é algo inexplicável e isso assusta. Porém, quando passamos a entender que a morte é, sim, explicável e faz apenas parte do ciclo da vida, podemos passar horas divagando por nossos pensamentos em busca de significado, e isso não é apenas assustador, mas aterrorizante.

Então ali, quando Simba tenta reanimar o pai, é uma cena marcante para as crianças que, ao descobrir que Mufasa não iria acordar, se vêem perdidas como Simba, um filhote de leão que se coloca abaixo da pata do pai para um último e demorado abraço, como fingindo que tudo não passava de um cochilo. E ali, quando Simba tenta reanimar o pai, é uma cena que faz com que nós, crescidos, sintamos a maior empatia possível por aquela criaturinha, confusa e solitária, com um mundo gigantesco e assustador ao seu redor.

E enquanto me preocupava em chover no molhado ao elogiar cada aspecto deste filme, não me seguro em tentar entender os elementos que fazem esta cena, e os desenrolares após ela, algo tão impactante na minha vida e na de tantas outras pessoas.

Por mais que este remake deva, de fato, ser uma repaginação visual estupenda de cada milimetro do original, há algo na mais pura forma de desenho que faz muitos de nós nos perguntar o porquê de a Disney ter parado de produzi-los. Tudo bem, o CGI já tinha auxiliado em alguns momentos de “Rei Leão” - a debandada, o brilho do sol nas terras do reino, por exemplo -, mas a arte de transformar um desenho de duas dimensões em cenários tão imersivos e vivos como aqueles é algo que não deveria ser perdido. Assim como Rafiki desenhando Simba nas cavernas, a maioria de nós começa com borrões que mal e mal lembram o que queremos de fato desenhar. Bom, pelo menos para mim parecia possível, de alguma forma, reproduzir aquele mundo fantástico em diversas folhas de papel espalhadas pelo chão da forma como as obras da Pixar, por exemplo, nunca pareceram.

Aí entra também o cauteloso design de cada personagem, que precisava extrair expressões verdadeiras de desenhos um tanto quanto realistas de animais, e consegue fazer isso se utilizando dos traços de seus atores - Zazu é a cara do Mr. Bean, por favor - e com pequenos detalhes que reforçam a personalidade de cada um. Mufasa, por exemplo, tem a mandíbula maior e os olhos menores, quase fechados, como que sempre julgando as atitudes a sua volta como o rei que é. Já Simba tem olhos maiores, mais infantis e afetuosos que, desde o primeiro momento em que é visto erguido - com uma cara de que não sabia o que estava acontecendo - em frente à todo o reino, é impossível não sentir empatia (e utilizo esta palavra de novo) por ele, além de, é claro, a própria cena ter se tornado um marco da cultura popular. O vilão Scar esbanja desdem e arrogância, Sarabi afeto e bondade, Nala força e resistência, a dupla Timão e Pumba são a representação artística de seu lema de vida. E por mais que, quando criança, seja difícil de se fazer tais associações, o efeito fica conosco, agindo em nosso subconsciente e nos conectando em uma escala pessoal com cada um daqueles personagens.

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Obviamente, há também a trilha sonora de Elton John, a qual tive o prazer de redescobrir depois de adulto. Pois, apesar de amar as versões brasileiras que, além de muito bem feitas (as canções da Disney raramente são mal representadas pelas versões tupiniquins, diga-se de passagem, e, definitivamente, não sou um fã de dublagem) tem um toque de nostalgia que não me permite não amá-las, é difícil substituir alguém como o cantor, que ganhou Grammy e Oscar pela maravilhosa “Can You Feel The Love Tonight” e nos apresentou à já universal expressão Hakuna Matata. Mas o especial é como cada uma delas ajuda a construir a personalidade de Simba: a criança mimada que mal pode esperar para ser rei; o adolescente marcado por um erro que julga ter cometido e decide apenas deixar tudo de lado; o jovem adulto que não bem sabe o que é o amor ainda; o rei que decide retornar para salvar o legado de seu pai.

Acredito que não tenha ficado claro, ainda mais por conta do nome desta nova coluna, mas eu prefiro não assistir à “Rei Leão” mesmo que o encontre passando na televisão ou cruze com ele em qualquer serviço de streaming. Por que? Bem, por mais que volta e meia figure entre meus filmes favoritos quando paro para pensar no assunto, é como se cada segundo me doesse não apenas por estar assistindo à uma re-interpretação propositalmente mais emotiva da já trágica história de “Hamlet”, de Shakespeare, mas por me lembrar que este foi o filme da minha infância e que ela, assim como Mufasa, não volta.

É o tal ciclo da vida, que falam por aí.

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