Crítica | 7 Prisioneiros
Um raro filme brasileiro de sucesso que não se vende para conseguí-lo.
É raro que os filmes de sucesso da Netflix reflitam o que a empresa traz de melhor. Em terra de resto de ralo de filme adolescente e fast food vencido disfarçado de filme de ação, é incomum que filmes como A Febre ou Branco Sai, Preto Fica encontrem seus lugares no topo dos mais assistidos.
Por isso, minha surpresa ao assistir 7 Prisioneiros se deu não apenas pela qualidade da produção, mas pelo meio onde nasceu.
Dirigido por Alexandre Moratto (primeiro filme que vejo dele) e com ninguém menos que Rodrigo Santoro no elenco (em uma de suas melhores performances recentes), é um filme incomum como o fenômeno de seu sucesso: apesar de mostrar uma realidade marginalizada e chocante de um Brasil construído à mãos escravizadas e subjugadas, pouco vemos daquela dramatização característica e sacarina, pois apesar de haver um princípio de moralização onipresente, ela é questionada a todo o momento quando somos apresentados às regras que regem aquele sub-mundo e o filme que o apresenta.
Algo que se reflete tanto na fotografia abrasiva, com uma câmera na mão claustrofóbica que mostra a visão limitada que aqueles jovens têm, como em diálogos que não procuram aqueles "momentos de Oscar". A encenação é crua, impessoal e desumana, dos guris carregando ferro à Mateus apontando uma arma que não sabe usar. Há pouco ali de "cinemático", é tudo verossímil e desagradável o suficiente para não poder passar na Tela Quente.
Assim o filme dificulta sua própria classificação de gênero: o drama dá lugar à uma sensação de incerteza que se desenvolve em thriller, ambos mascarando um Coming of Age que se adequaria entre os mais brutais de um gênero acostumado com escolas e crushes não correspondidos. .
UM JOGO DE POSIÇÕES
Desde a dinâmica envolvendo os quatro amigos, até o jantar com o político, é um filme sobre entender o meio e se adequar para sobreviver a ele. Mateus sempre observa tudo, e veja como a montagem estabelece essas relações de um jogo de adaptação: uma hora ele conversa com Luca, que no próximo quadro conversa com o político, que no próximo conversa com Mateus. Não há amizade verdadeira, apenas caminhos que podem te fazer melhorar de vida.
O que, novamente, remete ao termo utilizado por Kendrick Lamar em sua obra prima de 2012 que cada vez mais se torna aparente no Cinema: a criança boa, na cidade má. Não acho que alguém duvide da vontade de Mateus de salvar os companheiros, mas é igualmente difícil julgar sua transformação quando o dinheiro começa a entrar e tudo o que faz é começar a reproduzir a desumanidade pela qual foi submetido desde o dia em que nasceu. Pois por mais que sua casa na roça fosse aberta e ensolarada, contrastando com o lixão cinzento onde agora trabalha, não deixava de ser mais um legado desse mundo desigual que se torna tolerável apenas por conta da bondade de algumas poucas pessoas.
Esse processo de mostrar a área cinza do ser humano é crucial na relação principal do filme. Se Mateus passa por uma metamorfose, Luca já está em seu último estágio. Vivido por Santoro como um homem ciente o suficiente de seu meio para que suas ações não passem por um mero bom ou mau, o astro confere naturalidade à uma figura tão ambígua, do carinho que tem pela família à falta de empatia que nutre pelos escravos. Ainda assim, Moratto acaba sendo menos consistente em não caricaturar os secundário: enquanto os três amigos de Mateus possuem dimensões, os estrangeiros que chegam pouco fazem (em cena) para fazer parte dos 7 do título, e toda a sub-trama envolvendo as imigrantes asiáticas parece meio jogada, pisando ocasionalmente naquele choque mais vendível.