Filmes Para Toda Hora | Pulp Fiction
Uma professora muito querida de meu antigo curso de inglês comentou uma vez que “Pulp Fiction” é um filme que todos deveriam assistir.
Na minha mente de adolescente - apaixonado por “Senhor dos Anéis”, “Harry Potter” e aquele pequeno gostinho de Marvel, que tinha como filme favorito “Clube da Luta” por ser, justamente, um filme que todos deveriam assistir (eu julgava assim) - logo aquele nome me chamou atenção, mas tampouco sabia quem era Quentin Tarantino direito ou o que um filme que todos deveriam assistir realmente era. Curiosamente, outro professor havia me comentado que não gostava do filme e então, cheio de dúvidas, ou por preguiça (mais provável), não procurei por “Pulp Fiction” naquela época.
Hoje - um pouco mais velho, sábio e com mais dores no joelho (ok, não tão velho a esse ponto, mas o basquete é um esporte cruel) ainda sou apaixonado pela trilogia de Tolkien, pelo universo de J.K. Rowling, chorei nos últimos dois “Vingadores” e “Clube da Luta” continua sendo meu filme favorito - percebo que talvez tenha sido a decisão correta porque, por mais que com certeza fosse apreciar as divertidas histórias recheadas de palavrão e violência apresentadas na Magnum Opus de Tarantino, não seria capaz de realmente compreender o escopo de sua qualidade ou importância.
Mas tomo liberdade de contrariar, além da minha professora, muitos críticos, cineastas e estudiosos da sétima arte que muito mais sabem do que eu sobre ela, pois não acredito que “Pulp Fiction” seja um daqueles filmes que todos precisam assistir. Pelo contrário, a grande maioria da população, especialmente dos jovens de hoje (os quais ainda faço parte), não necessitam assistir à este filme mais do que outras obras do mesmo diretor, como “Bastardos Inglórios” e “Django Livre”, ambas com discursos e mensagens sociais muito mais importantes para os tempos sombrios que vivemos no mundo.
Afinal, se os últimos temas abordados por Tarantino são baseados em ideias que, por mais que pareçam dançar como a mais agitada das chamas, se mostram concretas quando se entende o estilo não ortodoxo do cineasta, “Pulp Fiction”, assim como os estilos de revista nos quais fora baseado, é como uma fumaça amórfica, e pegá-la nas mãos é como tentar pegar Sirius Black em “O Prisioneiro de Askaban”. E, caso esteja lhe estranhando o fato de em apenas quatro parágrafos já ter citado um combinado de mais de 40 filmes (23 da Marvel, 6 de Tolkien, 9 de Rowling, 2 de Tarantino, 1 “Clube da Luta”) é porque, quando perguntado sobre o que “Pulp Fiction” realmente é, a resposta pode ser apenas uma: cinema.
Construído em torno de histórias que parcialmente se interligam, mas que em nada necessitam uma das outras para chegarem em suas flamboaiãs (que palavra tenebrosa em português) conclusões, o longa é um dos principais exemplos da pós-modernidade no cinema, onde sua própria existência só é capaz por conta do próprio advento da sétima arte. Em cada canto, diálogo, cenário e personagem, há uma referência aos já 100 anos de filmes que existiam no ano em que fora lançado, além, é claro, das referências culturais como o McDonalds, a dança Twist, os esquemas obscuros das lutas de boxe. Se você não for um graduado em cultura nem pop, mas humana, “Pulp Fiction” é ainda mais amórfico, o que me faz dar risadas mentais ao imaginar qualquer das mentes fundadoras do cinema assistindo à este filme sem acompanhar todas as mudanças e revoluções de linguagem que o tornaram possível.
E para aqueles interessados na lista completa de referências, aqui vai uma fascinante.
Logo, é por isso que avaliar este filme como se avalia qualquer outro se prova uma tarefa inglória. Apesar de ser, possivelmente, o filme mais influente dos anos 90, de ter diálogos geniais pela aparente trivialidade que expressam e que conseguem fazer a história andar sem verbalizá-la, de ter performances arrebatadoramente reais e, mais do que isso, se mostrar icônico ao criar cenas mundialmente disseminadas, você pode facilmente perder sua principal qualidade se acabar se atendo à cada um desses elementos da forma mais tradicional. O que me leva de volta à afirmação feita no início deste texto, que agora se mostra como a pergunta que nele tento não apenas responder, mas defender minha posição feita lá em cima: afinal, “Pulp Fiction” é um daqueles filmes que todos deveriam assistir?
Para mim - e posso falar com propriedade apenas sobre a minha experiência -, mesmo considerando este o melhor filme de um dos melhores diretores de todos os tempos, o impacto causado por “Pulp Fiction” não se equipara às jornadas existenciais que tive ao assistir obras de Kubrick, ou aos ensinamentos sobre a arte de se fazer um bom filme como os melhores Scorsese, e definitivamente não me tocou mais do que vibrar com Andy Dufresne finalmente atingindo a liberdade, chorar com Simba perdendo seu pai, ou me ver no Mason de “Boyhood”. Minha vida, e meu pensamento sobre a mesma, continuou exatamente igual ao ver Vega e Jules indo embora de um café vestindo pijamas com uma maleta com conteúdo misterioso. Nesse ponto, não vejo porque você deveria assistir à um filme que não vá te transformar numa pessoa nem digo melhor, mas nem ao menos diferente.
E é exatamente por isso que “Pulp Fiction” é tão sensacional.
Tarantino nunca quis, aqui, fazer um filme com lições de moral, valores, mensagens ou analogias. Repetindo o que foi dito antes, “Pulp Fiction” é cinema sobre cinema, e o fato de ter o influenciado imensamente nos anos após o seu lançamento prova que cumpriu perfeitamente o seu papel. Quase como um paradoxo, mais de 100 anos de cultura cinemática inevitavelmente criariam um produto feito inteiramente da mesma, que por sua vez recriaria os próximos 100 anos. É um filme sobre filmes que tampouco comunica qualquer mensagem que possa tornar o mundo melhor para quem o assiste, mas, assim como seu diretor: ame-o ou odeie-o, ele não vai mudar a forma como você enxerga o próprio cinema após assisti-lo, pois já mudou, sem você saber.
E, se este artigo lhe deixou com dúvidas, na pior das hipóteses você estará investindo ligeiras duas horas e 30 minutos de sua vida em uma das obras mais importantes, ou Quentyssenciais, da história do cinema que o homenageia do início ao fim de sua projeção. O que mais um amante da sétima arte poderia pedir?