Crítica | Homem Aranha: No Aranhaverso

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Faz um bom tempo que não me sinto como me senti assistindo à “homem-aranha: no aranhaverso”.

Foi como se, por duas horas, eu pudesse rebobinar e voltar anos atrás, quando ainda era uma criança e não tinha nada para me preocupar. Quando, para saber sobre um filme você tinha que, você sabe, assisti-lo, ou quando a história de “temporadas” em séries e até mesmo desenhos era algo que só os adultos falavam sobre. Eu só me divertia assistindo coisas que gostava de assistir. Sim, eu ouvi sobre esse filme antes e estava ansioso, mas, como faço com a maioria dos filmes, queria saber o menos possível. Nunca eu poderia adivinhar que, depois de 14 anos, estaria me sentindo como aquela criança que podia sonhar em ser o Homem-Aranha, pelo menos mais uma vez.

Em meio a todo ódio ao redor do mundo, há uma luz de esperança na cultura, onde as coisas estão, finalmente, ficando mais iguais (mesmo que aos poucos). Agora podemos ver filmes como “Viúvas”, “Star Wars”, “Creed” ou “Pantera Negra”, com personagens negros em papéis principais com maior frequência. Mas ainda sim, mais do que qualquer outra história de herói, a que melhor se encaixa com a experiência negra é a do Homem-Aranha: um jovem pobre do Queens (nesse caso, Brooklyn), que tem problemas em fazer amigos e ganha, da forma que todos conhecemos, grandes poderes.

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Com eles, vêm grandes responsabilidades e este filme, mais que qualquer um desde o primeiro de Sam Raimi, tem um jeito eficaz de te falar isso. Miles Morales não é apenas o perfeito underdog, ou azarão, mas uma contradição e um reflexo vivo do que somos como sociedade. Uma criança negra, com um pai policial, uma mãe latina e um tio envolvido em negócios escusos, que é tão inteligente a ponto de conseguir uma bolsa para uma ótima escola e agora não consegue encontrar seu espaço por lá. Ele então se transforma no Homem-Aranha e passando por algumas situações insanas, conhece outros Homens e Mulheres-Aranhas de outros universos e juntos eles tem de resolver esse problema.

E Morales é um personagem ainda melhor pelo que não vemos no filme. Ele usa tênis do Michael Jordan, tem pôsteres de Chance The Rapper nas paredes, ouve um monte de R&B e Hip-Hop, faz graffiti, tem um afro e a pergunta é: as pessoas ainda amariam o Homem-Aranha se ele fosse, você sabe, negro? Todos conseguem conviver com a ideia de amar um herói baseado em um dos insetos mais odiados no mundo todo, mas qual seria o resultado nas mentes conservadoras se ele não fosse branco?

No entanto, é um filme para crianças, que usa seus atributos de comentário social de forma subjetiva. A atenção vai ser, definitivamente, dedicada para a divertida e envolvente história e para os estonteantes aspectos visuais do longa, que trazem o estilo dos quadrinhos à vida melhor que qualquer outro filme. E, por ser uma animação, vai à lugares que live-actions nunca poderiam ir, misturando cenários reais maravilhosamente recriados com raios alucinógenos e poderes que vão fazer sua imaginação aflorar, mas nunca vaguear. As sequências de ação tem um colorido senso de liberdade e a extravagante narrativa só poderia ser bem utilizada neste contexto.

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Temos aqui duas Garotas-Aranha, um Homem-Aranha Noir e um Porco-Aranha saído diretamente dos Looney Tunes e eles estão juntos à um Peter Parker que praticamente falhou na vida. É algo extremamente absurdo e irônico. E eles tem uma boa razão para lutar também e um vilão que - finalmente - tem uma motivação entendível e oferece ameaças claras.

A trilha sonora funciona em sinergia com a jornada de Miles, com excelentes faixas de R&B e Hip-Hop ditando o ritmo conceitual e visual do filme, mesmo que a ausência de composições clássicas, a la Danny Elfmann (trilogia de Raimi), estranhem um tanto, mas não é algo ruim, apenas diferente. O trabalho de voz, no entanto, é irretocável e, se possível, assistam a versão original do filme, pois mesmo que a versão brasileira tenha feito um bom trabalho, é um roteiro pensado para ser em inglês (e. O trabalho de captura de movimentos não é do nível “Incríveis 2”, mas apenas o fato de que, provavelmente, a maioria das vozes em português sejam de artistas brancos, já deveria lhe afastar dessa versão).

Você não precisa de muito para se investir na história, que é engraçada sempre que precisa ser sem exagerar. Há momentos que vão te deixar nervoso e preocupado, outros que vão te fazer temer pelas vidas dos personagens e até mesmo alguns onde sua respiração vai ser tirada graças aos incríveis visuais que o filme tem a oferecer. E se você ficar entretido o suficiente, e você definitivamente vai, pode pegar mais do que apenas uma excelente aparição de Stan Lee e referências a outros filmes (eu juro que vi um poster do Neymar em uma das cenas na cidade, procurem!).

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Esse filme, diferentemente de qualquer que DC ou até mesmo a Marvel tenham lançado ultimamente, é injetado com tanta vida que prepara, sem priorizar isso, um universo tão atrativo que mal posso esperar para voltar a ele. Eu não sei como a Sony veio com isso, mas é seguro dizer que é o melhor filme do Homem-Aranha desde que Tobey Maguire estava segurando trens, se não melhor. Se algo pode ser dito, é que nenhuma cena de “Aranhaverso” se iguala a essa, mas várias chegam maravilhosamente perto. Ah, a cena pós créditos é uma das melhores (certamente minha favorita) de todos os tempos.

Ao final de tudo, nosso amigão da vizinhança enviou a mensagem que a maioria dos filmes de super herói esquecem. Qualquer um pode ser um herói, não interessa de onde vem, o dinheiro que tem ou a cor de sua pele. Esse filme é tão especial que pode e, provavelmente vai, mudar algumas vidas para melhor. É isso que ser o Homem-Aranha significa.

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