Crítica | Punisher - Phoebe Bridgers
pOR VEZES, DURANTE A VIDA, SENTIMENTOS PARECEM TÃO INTENSOS QUE NÃO ACHAMOS PALAVRAS PARA os DEFINIRMOS.
Phoebe Bridgers, em seu segundo álbum de estúdio, trata sobre decepções e descobertas comuns mas impõe tanto sentimentalismo a eles que parece estarmos experienciando aquilo pela primeira vez. É como se inocência e sabedoria estranhamente achassem um ponto médio e inexplicavelmente coexistissem sob a mesma situação. Multidimensional mas ainda assim intrinsecamente pessoal, Punisher se apresenta pra nós no melhor momento possível, onde provavelmente nos esquecemos como é sentir algumas coisas - ou acharmos que sim - por obviamente estarmos trancados há mais de 4 meses.
Nesse sentido, Phoebe Bridgers sempre soube evocar um montante enorme de emoções imersos em uma produção minimalista e solitária. Meu primeiro encontro com a cantora aconteceu em uma madrugada qualquer onde, em Stranger in the Alps, uma das vozes mais acolhedoras e atmosféricas do gênero indie-rock se apresentava e estabelecia uma conversa pessoal e melancólica comigo. Aliás, Phoebe gravou todos os vocais de seu primeiro álbum totalmente no escuro por acreditar que, dessa maneira, estava cantando para ela mesma e mais ninguém, trazendo mais veracidade para seus versos. Deu certo. O mundo então estava introduzido ao potencial da cantora que consegue botar em palavras as vezes sentimentos que nos escapam.
Como se estivéssemos prestes a assistir um filme, “DVD Menu” prepara a ambientação dúbia e um pouco assustadora do que nos espera daquele ponto em diante. O violino que comanda as ações é denso e imponente, quase claustrofóbico, como tentar caminhar em uma floresta completamente escura. A transição para “Garden Song”, acontece de maneira silenciosa. Aliás, é importante destacar como Phoebe faz utilização do silêncio durante o álbum entre uma faixa e outra. Por vezes os instrumentos são interrompidos de forma abrupta, nos dando uma fração mínima de tempo para tentarmos digerir uma música de cada vez e assim trazendo mais gravidade para elas.
“I don’t know how, but I’m taller
It must be something in the water
Everything’s growing in our garden
You don’t have to know that it’s haunted”
Punisher traz consigo essa sensação completa de imersão em seus momentos mais tristes e sombrios. Em faixas como “Garden Song”, com sua melodia agridoce, a harmonia vocal do refrão extremamente grave e seus violões e chutes que se dissipam junto a voz de Phoebe, ou em “Halloween”, onde o som das cordas nos arrastam para um lugar de extrema introspecção, como se nos afogássemos em seu som, é onde percebemos a valorização de aceitar as coisas como elas de fato são ao invés de tentar combatê-las. É aceitar que até mesmo a paz pode ser desconfortável. É no refrão de “Garden Song” onde ela salienta que o nosso crescimento pessoal se sobrepõe ao fato de nosso jardim ser assombrado, mesmo que não entendamos como funcionam essas coisas, ou no refrão de “Halloween” onde ela sugere a aceitação de um relacionamento em colapso, e suplica que, por uma última vez, eles se amem antes de se despedirem, quando canta “Baby, it's Halloween; There's a last time for everything; Oh, come on, man; We can be anything”.
“Kyoto” segue a linha do até então maior hit de Phoebe, “Motion Sickness”. É incrível o talento da cantora e de toda equipe de produção em dar uma roupagem eufórica para letras e melodias tristes. Aqui ela consegue transformar a narrativa comovente de uma péssima relação com seu pai - “He said you called on his birthday; You were off by like ten days ; But you get a few points for tryin” - em um grito por liberdade quando no refrão a bateria acelera, os maravilhosos trompetes se mostram e os vocais secundários angelicais da cantora revestem sua própria voz e criam essa sensação estranha e maravilhosamente gratificante, tal como as músicas mais grandiosas de Sufjan Stevens em “Illinois” costumam fazer. “I Know the End” segue o exemplo, com sua transição de uma primeira metade nostálgica pra uma segunda quase apocalíptica. Os trompetes voltam, a percussão cresce, as vozes se multiplicam (Lucy Dacus, Julien Baker e Conor Oberst estão aqui) numa imprevisibilidade estonteante.
“Punisher”, o termo, significa “alguém que fala excessivamente sobre algo”. Esse é o caso de Phoebe em relação a Elliot Smith e ela faz questão de deixar claro na faixa que carrega o título do álbum. É importante refletir sobre isso porque não só a faixa, que evoca muito do cantor com seus lindos arranjos e suas manipulação vocais, mas também o álbum carrega esse nome, salientando como a paixão irrefreável de Phoebe Bridgers por Elliot Smith a modulou como a artista que é hoje.
A esse ponto até a música menos original dentro de um padrão de baladas do gênero excede em vulnerabilidade. “Moon Song”, em toda sua lentidão e previsibilidade nos da uma das letras mais sensíveis e abertas, ainda que metafórica, acessando temas não tão específicos sobre a cantora. É na simplicidade de um refrão como “And if I could give you the moon, I would give you the moon” ecoando pelo ambiente que somos trazidos pra crueza dos versos, nos oferecendo a oportunidade de prestarmos mais atenção na letra do que na estrutura da canção em si. Moon Song nesse, sentido, só atesta que Punisher é o álbum mais bem escrito do ano. Ainda vale destacar o quão genuína e linda é a letra de “ICU”, ganhando força a cada reouvida, proclamando sobre um amor de fato tão verdadeiro - mais especificamente sobre Phoebe e seu baterista - que superou o próprio término de seu relacionamento: “I used to light you up, Now I can't even get you to play the drums, 'Cause I don't know what I want, Until I fuck it up; But I feel something when I see you now I feel something”
“Took a tour to see the stars
But they weren’t out tonight
So I wished hard on a Chinese satellite
I want to believe
Instead, I look at the sky and I feel nothing
You know I hate to be alone
I want to be wrong”