Dez Anos da Morte de Michael Jackson | A Imagem
Em 25 de junho deste ano será o aniversário de 10 anos da morte de um dos maiores artistas da história da música. Muito diferente do que deveria ser, acho difícil que haja qualquer evento de homenagem envolvendo os muitos artistas influenciados por ele, com uma superprodução que poderia - na verdade, deveria - ser transmitida no mundo todo e ter seus ganhos revertidos para a caridade, como ele preferiria. Michael Jackson, muito provavelmente, não vai ter sua vida celebrada da forma certa.
Longe de mim, humildemente escrevendo este texto, está a razão em uma discussão que se mostra tão recorrente nestes últimos anos. É possível separar o artista de sua obra? Para muitos, sim. Para outros tantos, não. Para alguns, como eu, a resposta é simples: não sei. Ou um pouco menos indeciso: depende.
Apesar de este não ser exatamente o tema deste artigo, é inevitável não usar de histórias parecidas para se traçar um paralelo. Kevin Spacey, talvez o ator mais talentoso a ser “desmascarado” pelo necessário movimento #MeToo, teve dezenas de acusações, se declarou homossexual em uma polêmica carta aberta, e está procurando tratamento para seu comportamento inapropriado perante diversas pessoas. É, utilizando a palavra pela segunda vez, inevitável não fazer conexões com as melhores performances de sua carreira, em “Seven (1995)” e “Beleza Americana (1999)”.
E que tal R.Kelly? Um dos cantores R&B mais bem sucedidos de sua geração acusado de criar um culto onde escravizava mulheres sexualmente e as subjugava de diversas formas. Muitas de suas letras, altamente sexuais e provocativas, podem, agora, evocar algo parecido com essas acusações. E, é claro, Harvery Weinstein, Casey Affleck, entre tantos outros atores, produtores, diretores, atletas, músicos, políticos, médicos e etc, dentro e fora dos Estados Unidos, com casos extremamente próximos de nós aqui, no Brasil.
Desculpem me por utilizar a palavra mais uma vez, mas é inevitável não comentar que destes mencionados apenas dois ganharam documentários. Curiosamente talvez, os dois são negros.
Longe de mim, novamente, sugerir que são inocentes - ainda mais com tantas evidências em um desses casos (R. Kelly) - e de dizer que ambos os documentários não são obras válidas para se debater tais acusações, mas o padrão tem de ser questionado por alguém. O rapper T.I., recentemente, foi ao Twitter para expressar sua indignação. A inocência de Michael, provada em vida em duas ocasiões (uma delas, 2005, na corte, na outra, em 1993, basta ler sobre o caso para descobrir que o menino, depois de crescido, admitiu que era apenas um esquema do pai para ficar rico), é sempre questionada, mas a de tantos artistas brancos com históricos também duvidosos ficam sempre esquecidas por trás do sucesso de suas conquistas artísticas.
Então somos obrigados a acreditar que Michael Jackson abusou de todas aquelas crianças, mas supostamente devemos ignorar a alta probabilidade de que outra lenda controversa da música, Freddie Mercury - cujo medíocre filme dedicado a ele conquistou a todos com inverdades ano passado -, em suas muitas orgias (que ele tinha total direito de fazer) nunca teve nenhum contato com algum garoto menor de idade? Ou que alguém vivo, Leonardo DiCaprio por exemplo, se aproximando de seus 50 anos e namorando uma modelo de 20, sempre rodeado de jovens em seus muitos iates, nunca recebeu alguma com menos de 18 anos? Aonde estão os documentários? Aonde está a pressão injusta da mídia para que seus familiares e amigos confessem coisas que juram não ser verdade? Uma última pergunta, qual a cor da pele de ambos?
É engraçado, todavia, que a cor da pele seja um fator tão importante nessa discussão envolvendo justamente Michael Jackson, portador comprovado de vitiligo. Caso minha crítica sobre a mídia acerca do Rei do Pop tenha caído mal em seus olhos, preste atenção em todas as fotos utilizadas para tratar do documentário, das polêmicas, ou de qualquer outra coisa envolvendo Michael Jackson e responda, você mesmo, essa pergunta: qual fase de Michael eles mais retratam? Quando era jovem, negro e estava no auge de sua fama ou branco e próximo ao ano de sua morte? Onde, é claro, já estava deteriorado por décadas de medicação e plásticas intermináveis por ter a cabeça completamente perturbada por nunca ter tido, nem quando criança, algo que possa se chamar de vida normal. Logo, a justificativa de que sua imagem mais conhecida é a dele branco é uma mentira, sendo que, nos anos 80, sua popularidade era maior que qualquer artista jamais chegou e ele era negro naquela época.
Julgo ser perfeitamente possível que o que a mídia tanto quer é desconstruir sua melhor fase, transformá-lo em um monstro, dar como certas toda e qualquer acusação e, sim, diminuir seu legado de estrela da música negra.
Ainda assim, a mídia amava - ainda ama - Michael Jackson mais que qualquer outra celebridade que já pisou no planeta Terra. Ele, praticamente sozinho, podia encher revistas no auge de suas vendas, aumentar a circulação de qualquer jornal, triplicar a audiência de qualquer programa de televisão. Após as primeiras acusações de abuso sexual, nunca mais Michael Jackson fora lembrado pelo que deveria ser lembrado, que é sua música. Ele deixara de ser Michael Jackson, um artista genial, e se tornava Wacko Jacko, uma aberração. Curiosamente, isso acontece justamente porque ela, sua música, o transformou em uma figura tão transcendental e idolatrada, que qualquer passo dado por ele era notícia em qualquer parte do mundo.
Para fins de reiterar qualquer opinião que possa ter sido mal interpretada, eu não sei se Michael Jackson é ou não inocente e não sei como deveríamos reagir se ele fosse provado culpado - o que não vai acontecer, pois o já histórico documentário, “Leaving Neverland”, mostra apenas um lado e nenhuma evidência concreta, além de ser idealizado por um homem que mudou de discurso sobre sua relação com Michael após ter sua participação negada em um especial do Cirque du Soleil sobre o astro (e isso são fatos)-. É necessário pontuar algumas coisas: é estranho que um homem adulto estivesse sempre rodeado de crianças? Sim. Seria do comportamento de um predador sexual, tão meticuloso como o condenam, expor sua relação com estas crianças abertamente? Não. Dentre os casos de acusação, existem dezenas de crianças que conviveram com ele e o defendem até hoje, além é claro de sua família que firmemente defendeu sua imagem após sua morte.
O rapper Lupe Fiasco deu, talvez, a declaração mais interessante dentre as muitas celebridades que se pronunciaram, algumas apenas para pular no trem e não para oferecer nada de interessante no debate (Ellen Degeneres, Sia, Bill Maher, Michael Rapaport (é necessário abrir um segundo parênteses para apontar como todos são brancos?) entre outros). Lupe Fiasco disse: “Apreciar a parte boa de Michael não quer dizer que você aprecia a ruim”. Se devemos ou não separá-lo de sua música é algo que cada um tem de decidir por si, mas apagar seu enorme legado em toda a cultura pop é algo que não pode e não deve ser feito.
Sem Michael Jackson, o mundo da arte não seria como é hoje. Ele é o artista mais influente de todos os tempos, um dos maiores gênios que já viveu e suas contribuições tanto para a cultura, como para instituições de caridade ao redor do mundo é maior do que praticamente 80% dos artistas de hoje juntos. Ele também era um ser humano perturbado, estranho e com hábitos completamente diferentes de qualquer outra pessoa que já vimos. Ele era Michael Jackson e seria ótimo se fosse lembrado por tudo, tanto a parte boa, como a ruim.