Dez Anos da Morte de Michael Jackson | O Artista - Parte 1

Em 25 de Junho de 2019, se completam dez anos da morte de Michael Jackson.

Deixe essa informação ficar com você por um momento.

Naquele dia, uma quinta-feira, para ser mais exato, me lembro de estar jogando bola no pátio e entrar em casa brevemente para fazer algo que não lembro. A televisão estava ligada e, do nada, o apresentador mudou de assunto (política), falando apenas duas palavras: Michael Jackson. Eu lembro de rir e comentar estranhado com minha mãe: Nada a ver, trocaram de assunto do nada. E lembro que ela respondeu, com estas exatas palavras: É porque o Michael Jackson morreu. Dali em diante, seriam meses de reportagens e homenagens diárias, cobrindo extensivamente a morte da maior estrela que o planeta Terra já presenciou.

Até então, Michael Jackson era, pra mim, um artista que fizera muito sucesso no passado, mas que, como era de conhecimento popular mundo a fora, havia se envolvido em tantas polêmicas que muitos esqueciam, propriamente, de sua música. Além das notícias envolvendo seus julgamentos durante o início dos anos 2000, os quais me lembro vagamente, meu único contato com sua música se dava por meio de fragmentos. Anos depois, descobri que era apaixonado por um de seus hits, que tocava em uma determinada rádio no jogo “GTA: Vice City”: “Billie Jean” que, até hoje, ainda é minha música favorita, de qualquer artista. Lembro também de uma propaganda de uma de suas coletâneas sempre passar logo após o noticiário do meio dia, a qual mostrava um pedaço de “Thriller” e eu, a assistindo quase todos os dias, comecei a imitar a dança. Um desenho animado, o qual era fã e depois gerou diversas sequências desnecessárias, chamado de “Ilha dos Desafios”, tinha um episódio em especial onde os participantes dançavam “Thriller”, inclusive.

Enfim, isso era o antes. Pois, após aquele dia 25, Michael Jackson se tornaria parte indispensável do meu crescente apreço pela arte.

Mas este texto, que já aviso, será longo - pois tudo que escrevi até agora foi como um prelúdio -, não é sobre mim e nem sobre minha relação com a arte de Michael Jackson, mas sim sobre o trabalho de vida daquele que julgo ser o artista mais influente da história da arte moderna, que, por vezes, fica escondido em meio à todas as polêmicas que, querendo ou não, o ajudaram a se tornar o ícone, maior que a vida, que se tornou.

Este é Michael Jackson, o artista.


É praticamente impossível ligar a rádio hoje, se você ainda faz isso para ouvir música, sem ouvir, indiretamente os ecos do terremoto iniciado por Michael nos anos 80. Se seu começo de carreira com o Jackson 5 o coroaram como o melhor cantor mirim da história - não acho que seja algo passível de discordância, pois ele com dez anos de idade se comportava melhor em um palco que 95% dos artistas que já pisaram na Terra - e “Off The Wall” foi um sucesso estrondoso, foi a partir de “Thriller” que ele começaria a moldar a música Pop a sua maneira.

Nascido em 29 de agosto de 1958, Michael Joseph Jackson começou a cantar aos cinco anos, obrigado pelo pai. Ele, assim como seus irmãos, eram submetidos a horas de ensaio para que pudessem, de alguma forma, compensar o fracasso de Joe Jackson como artista e, também, como figura paterna. Eles fariam turnês por boa parte dos anos 60 em clubes, boates e escolas, até que em 1969 assinariam com a Motown e emplacariam um dos maiores hits da década em “I Want You Back”. Após anos de sucesso, não foi difícil perceber que Michael deveria sair em carreira solo, afinal, era claramente o mais talentoso dos irmãos.

Após alguns anos em uma espécie de limbo, com uma imagem ainda muito associada à seus irmãos, Michael se reuniu com o lendário produtor Quincy Jones e iniciou uma parceria que renderia algo próximo de 150 milhões de cópias vendidas mundo a fora em apenas três discos. Três.

“Off The Wall” foi o primeiro e, aqui, começo a me aprofundar:

off the wall | pela primeira vez, michael jackson

Michael não sabia bem qual resultado buscava em seu primeiro projeto independente de irmãos e pai. Procurando maior liberdade artística, ele e Quincy Jones trabalharam com diversas canções até determinarem as dez que fariam a listagem final, três delas foram escritas diretamente por ele.

“Off The Wall” foi a primeira vez que pudemos ver - no caso eu não era nascido na época, mas - um escopo do amplo talento artístico de Michael Jackson. Descrito por publicações na época como o melhor cantor do mundo - e não é difícil ver o porquê, afinal, durante as dez faixas do álbum ele se supera de vocal em vocal, alterando entre técnicas, formatos e vozes - ali ele se distanciava de vez de seus irmãos, e começava a construir sua imagem como artista solo com passos repletos de dúvida, mas meticulosamente pensados.

Frisando o ponto levantado anteriormente, suas habilidades vocais eram, de fato, impressionantes. Em “Don’t Stop Till You Get Enough”, por exemplo, ele canta com o falsete durante toda a faixa; já em “Off The Wall”, sua voz fica mais grave; em “I Can’t Help It” ele emula cantores clássicos de Jazz; em “She’s Out of My Life”, ele chora por alguns segundos por estar profundamente entregue às emoções da canção. Não fosse uma produção gloriosa por parte de Quincy Jones, é possível dizer que o álbum teria sido um sucesso baseado apenas na voz de Michael. Ele cantava como um jovem que, por muitos anos, teve de reprimir todo seu potencial por trás de obrigações contratuais, pressão familiar e, propriamente, o preconceito da época que ainda limitava artistas negros como ele, algo que artistas que o antecederam sentiram com ainda mais rigor. Talvez por isso o resultado seja tão notável.

Foi neste álbum que ele deu sua primeira grande constatação como o talentosíssimo compositor que era na já clássica abertura “Don’t Stop Till You Get Enough”. Iniciando com um baixo frenético e se desenvolvendo nas icônicas sessões de cordas e trompetes que até hoje são altamente reconhecíveis (lembram do Vídeo Show?), a faixa é como um grito de liberdade, com Michael empregando alguns de seus melhores vocais, estasiados de alegria e banhados no falsete que se tornaria sua marca registrada. Era o hit perfeito para a era que fora concebido, mas, mais do que isso, assim como todas as suas grandes músicas, é uma canção que ainda soa atual, mesmo 40 anos passados de seu lançamento.

Também de sua composição estão as vibrantes “Working Day and Night” e “Get on the Floor” que, juntas, à faixa título e à “Rock With You”, são responsáveis por uma das melhores primeiras metades em um álbum na história da música popular. Esta última que, composta por um dos maiores colaboradores de Michael, Rod Temperton, figura facilmente entre suas melhores canções. Hoje em dia, a característica de interprete pode ter se perdido muito dentro do cenário mainstream - talvez Rihanna seja a mais próxima disso dentre os contemporâneos -, mas à época tomar uma canção escrita por outra pessoa para si era um talento necessário para qualquer grande cantor. Auxiliado por uma produção e mixagem magistrais, “Rock With You” se tornou um dos últimos hits da era Disco e continua viva. Afinal, gêneros se tornam obsoletos, mas aquelas composições que possuem essa espécie de encantamento são capazes de quebrar as barreiras do tempo.

Evidente durante sua primeira era como artista solo estava, também, a preocupação com sua imagem. Na capa de do álbum ele trocaria os figurinos coloridos que usava com seus irmãos por um simples terno preto e branco, que ele traria para o vídeo de “Don’t Stop Till You Get Enough”. E embora, seja apenas na próxima sessão que falaremos mais a fundo sobre o visionarismo de Michael quanto aos vídeos musicais, é inegável que suas sequências de dança nos vídeos de “Don’t Stop…” e “Rock With You” sirvam como um anúncio de um homem que, já ali, sabia que podia ir muito além das rádios.

Lançado em 1979, o disco foi um dos últimos grandes sucessos da era Disco, vendendo mais de 20 milhões de cópias mundo a fora e se tornando o primeiro álbum da história a ter quatro singles no top 10 da Billboard Hot 100. “Off The Wall” é universalmente reconhecido como não apenas um dos melhores álbuns de seu gênero a muito partido, mas como uma das coleções musicais mais celebradas de todos os tempos, que não é mais apreciada apenas por conta do que viria a seguir em sua carreira. O projeto que tornaria qualquer outro no primo menos conhecido. O projeto que brilharia tanto, que ofuscaria a mais brilhante esfera da era Disco. Chegamos a “Thriller”, o álbum mais vendido da história da música.

THRILLER | O ARTISTA MAIS POPULAR DO PLANETA

Por mais bem sucedido que “Off The Wall” tenha sido, nada poderia preparar o mundo para o que viria a seguir.

Não contente com o que havia atingido em seu primeiro álbum independente - Michael acreditava que “Don’t Stop Till You Get Enough” deveria ter ganho o Grammy de Gravação do Ano e ele fora recusado como capa da Rolling Stone, pois artistas negros não vendiam -, Michael decidira que seu próximo projeto deveria ser tão grande que seria impossível de negá-lo qualquer coisa. Ele queria, assumidamente, ser o músico mais poderoso do planeta.

Curiosamente, essa ambição muito se deu pela depressão que o atingiu entre a gravação de ambos os álbuns. Quanto mais popular ficava, mais sozinho e recluso se tornara, quase como um reflexo da abusiva exposição que sofrera desde criança, o tornando uma criatura aquém do mundo real e, portanto, talvez não pertencente mais a ele. “Thriller”, apesar de ser seu maior sucesso como artista, também foi fundamental em fazê-lo habitar apenas aquele mundo que criara para si. Aqui, Michael Jackson começava, de verdade, a se tornar o Michael Jackson que todos conhecemos.

Novamente junto de Quincy Jones, ambos decidiram que todas as faixas do álbum deveriam se sustentar por si próprias. Como resultado, sete das nove viraram single e, não surpreendente, todas atingiram o top 10 da Billboard Hot 100, em uma era onde isso era impensável (não existia Spotify, ou Tidal, ou ITunes até então), um recorde até hoje. E, ouvindo “Thriller”, não é difícil entender o porquê de tanto sucesso, sendo que Jackson e Jones selecionaram uma coleção de faixas ecléticas e que agradariam a todos os ouvidos.

A abertura do álbum, “Wanna Be Startin’ Somethin”, reflete a paranoia crescente dentro de sua cabeça e que se tornaria tema central de sua carreira futuramente, abraçando raízes africanas e adotando uma estética de World Music. “The Girl Is Mine” foi uma balada gravada com Paul McCartney que, apesar de bobinha e chiclete, reforçava ideias de amor inter-racial tão necessárias na época. “Human Nature” abriu caminho para baladas R&B contemporâneas com seus vocais aveludados. “P.Y.T.” ganhou qualidade graças à sua habilidade natural de não envelhecer e fica mais adorável cada vez que você a reouve. Mas, apesar de todas capazes e cativantes de seu próprio jeito, as verdadeiras razões por trás das vendas inimagináveis do álbum se deram por conta de um trio de singles revolucionário e, então, Michael Jackson não apenas tornou o vídeo musical como essencial para qualquer artista, mas abriu espaço para os incontáveis artistas negros que viriam depois dele.

O primeiro dos três pilares do álbum foi “Billie Jean”, uma canção sobre uma fã obsessiva que o acusava de ser pai de seu filho. Facilmente a temática mais obscura adotada por ele até então, era difícil de imaginar uma canção sobre um dos artistas mais populares do mundo negando uma paternidade atingir o sucesso que atingiu. Michael, no entanto, afirma ter certeza de que seria uma grande canção no momento em que a concebeu, quase se acidentando de carro enquanto a improvisava em um gravador de voz. Com uma introdução de 30 segundos - algo que Jones queria ter cortado - “Billie Jean” é reconhecível no momento em que sua mais do que característica batida começa, seguida pela crescente e insistente linha de baixo. Seus vocais foram gravados em uma única tomada, e a forma como eles se fundem aos elementos tão organicamente se deve ao fato de ter sido remixada 91 vezes. O resultado que ambos buscavam fora atingido: uma música com tanta personalidade que, no momento em que ela entra no seu ouvido, é impossível não ser magnetizado por sua atmosfera.

E, então, temos o vídeo. Como já dito antes, Michael havia ensaiado alguns de seus passos clássicos nos clipes de “Off The Wall”, mas “Billie Jean”, um dos primeiros vídeos de um artista negro a passar na MTV e altamente responsável por popularizar a emissora, foi sua primeira obra prima nesta que ele ajudou a tornar em forma de arte. Ali, “Thriller” começaria sua dominância, que seria apenas expandida por um vídeo ainda melhor, de outra canção clássica composta por Michael. “Beat It” era diferente de tudo que ele havia feito até então, um Rock, com um dos solos de guitarra mais reconhecíveis e aclamados dos anos 80. Sua arte era capaz de remontar padrões, e a faixa se tornou um hino contra a violência das gangues, contando com mais de 80 membros reais delas em seu icônico vídeo-clipe.

Os dois single seguraram posições no top 5 ao mesmo tempo, algo difícil hoje e quase impossível na época, e catapultaram as vendas do álbum de forma inimaginável. “Wanna Be Startin’ Somethin’”, “Human Nature” e “P.Y.T.”, nas posições 5, 7 e 10, respectivamente, seguiram fazendo sucesso ao longo de 1983, mesmo quando todos já possuíam o álbum e já as haviam ouvido milhares de vezes antes de serem lançadas - para se traçar um paralelo, caso fosse lançado hoje e atingisse um sucesso proporcionalmente parecido, não é errado dizer que todas as nove faixas de “Thriller” ocupariam as primeiras nove posições de qualquer parada musical.

Mas talvez a era de “Thriller”, que não teve uma turnê própria para auxiliar nas vendas, atingiu seu auge naquele que se tornou um dos momentos mais importantes da cultura popular. Assistido por mais de 50 milhões de pessoas, a performance de “Billie Jean” no especial de 25 anos da Motown Records onde Michael estrearia seu lendário Moonwalk, foi um divisor de águas na indústria. O homem que já havia reinventado o método de fazer vídeo-clipes, já havia quebrado barreiras raciais que gigantes antes dele não conseguiram, agora reinventava a forma milenar de se apresentar uma canção ao vivo. Por medo que a banda oferecida pela Motown no dia não fosse capaz de emular com perfeição o instrumental de “Billie Jean”, Michael optara pro fazer um playback, algo que não diminui de forma alguma a magia envolta em sua performance. Dentre os muitos momentos que o coroaram como o Rei do Pop, talvez aquele seja o mais importante. Ali ele se distanciara de todos os outros, ali ele faria não uma linha, mas uma cratera entre ele e todos os mortais que o acompanhavam. Ali existia Michael Jackson, e todo o resto.

Porém, ainda faltava a cereja do bolo. E a coroação veio apenas no final de 1983, mais de um ano depois do lançamento do álbum. É difícil imaginar alguém que não saiba o que é “Thriller”, a música, mas é preciso se colocar no lugar das pessoas que julgavam “Billie Jean” e “Beat It” como os exemplos mais altos do que um vídeo musical poderia atingir. O curta, de treze minutos, não apenas melhora, mas praticamente subjuga a estranha faixa a ser apenas um acompanhamento. Tudo, desde a jaqueta, os zumbis, a dança, os plot twists, absolutamente todos seus elementos se tornaram icônicos e repetidos centenas de vezes. “Thriller” foi mais um marco cultural, em um álbum que já era, na época, o mais vendido de todos os tempos.

Hoje, com vendas nos Estados Unidos de aproximadamente 33 milhões de cópias e uma estimativa próxima de 100 milhões ao redor do mundo, é seguro dizer que sua posição se tornou inalcançável. Mas tinha um porém. Michael havia chegado mais alto que qualquer artista durante aqueles dois anos, logo, o único caminho seria para baixo.

O artigo continua na parte 2.

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