Do Pior Ao Melhor | Quentin Tarantino
Talvez a verdadeira definição cinematográfica de me ame ou me odeie, mas fale de mim, o cinema de Quentin Tarantino não é para todos.
Pois por mais que sua filmografia seja quase que inteiramente um belo exemplo da pós-modernidade na sétima arte, toda esta inovação e riqueza hipertextual está mergulhada em litros de sangue, cortes de espada, saraivadas de tiros e diálogos tão extensos e frívolos que parecem não levar nada a lugar nenhum.
Dono de personagens icônicos e alguns dos melhores filmes de seus respectivos anos, décadas e séculos, Tarantino faz filmes que, apesar de migrarem e misturarem diversos gêneros, figuram principalmente como o seu próprio, a criação involuntária de um homem que ama tanto o cinema que tudo que faz relacionado a ele o homenageia.
Estes são os melhores filmes de um dos maiores cineastas de todos os tempos:
8 | À Prova de Morte
Marcado pela vontade de saciar o absurdo gênero ao qual pertence, esta parceria de Tarantino com Robert Rodriguez, intitulada “Grindhouse” e constituinte em um filme de duas partes, onde ambas não se conectam.
É difícil sequer chamar este filme de um próprio de Quentin, pois, sendo seu menos bem sucedido e aclamado, é quase como um capítulo esquecido em sua filmografia que, apesar de mostrar as muitas tendências do diretor com uma ironia e absurdismo não rivalizados nem por “Kill Bill”, acaba falhando em ser menos substancial que todos os seus outros trabalhos. Criativo, sim, mas falta à este filme, feito para ser metade, a ambição que torna as outras obras do cineasta tão icônicas.
Melhor Cena: Kurt Russel se afogando em lágrimas… e álcool.
7 | Jackie Brown
Sendo o único filme dirigido por Tarantino adaptado de um trabalho anterior, “Jackie Brown” teve a difícil tarefa de ser lançado após o primeiro colocado desta lista, ficando, inevitavelmente, na sua sombra.
Anos depois, é possível perceber e analisar o filme por si só em todos os seus bem sucedidos elementos e, mais do que isso, talvez tenha sido a primeira vez que o cineasta fez algo próximo do que realmente queria dentro do gênero blaxploitation. Irreverente, engraçado, intrigante até o final e, principalmente, com um trio de coadjuvantes composto por Jackson, De Niro e Keaton, “Jackie Brown” pode não ter envelhecido tão bem ou se tornado um ícone, mas não pode ser ignorado.
Melhor Cena: Pam Brier mandando Samuel L. Jackson sentar e calar a boca.
6 | Kill Bill
O que se passa na cabeça de um homem, responsável por influenciar toda uma geração de cultura popular, ao escrever, filmar e lançar um filme como este?
Dividido em dois volumes, “Kill Bill”, essa história de vingança envolvendo personagens e cenários tão realistas como os mais insanos animes de samurai, era o exato necessário para destruir por completo a reputação de qualquer cineasta sério, ao utilizar elementos tão absurdos que fariam o próprio blaxploitation parecer convencional. Pense bem, em uma das cenas a Noiva aniquila dezenas de capangas e o sangue deles jorra como um hidrante na tela! O mais surreal é que essa, e muitas outras cenas, se tornaram tão marcantes na cultura popular que é como se “Kill Bill” sempre tivesse existido.
No sonho molhado do próprio diretor, uma coisa é inegável: você não precisar de um cérebro para gostar de “Kill Bill”, mas definitivamente precisa de um para apreciar esta obra de arte por completo. Viva o absurdo.
Melhor cena: Uma Thurman, uma Katana, uma dezenas de capangas, jatos de sangue. Vocês já sabiam.
5 | os oito odiados
O equivalente à um mistério escrito por Clarice Lispector e Alfred Hitchcock, situado no velho oeste e dirigido por Quentin Tarantino (e não, essa citação não é minha, mas acho difícil encontrar uma melhor), “Os Oito Odiados” brinca tanto com a pós-modernidade presente em todos os trabalhos do cineasta que até seu título vem como uma alusão ao fato de ser seu oitavo filme.
Se contendo muito mais em escala quando comparado às duas obras anteriores (que estão a frente na lista), tudo que é necessário aqui é uma cabana e um grupo de desajustados presos nela durante alguns dias e, apenas por saber que é um filme de Tarantino, você já sabe como tudo deve terminar.
Mas isso não diminui o valor deste longo filme, de longe o seu projeto mais devagar e paciente, onde diálogos são trabalhados com tanto cuidado como o pulsante design de produção que transforma aquela cabana em um universo de coisas a serem descobertas. Por ser gravado em 70 milímetros, a sensação de importância de cada canto da tela salta aos olhos, figurando como um prato cheio para os mais devotos estudiosos do cineasta e suas muitas alegorias à cultura popular.
Tão violento conceitual como visualmente, divertidamente sádico, intrigante e absolutamente frio, “Os Oito Odiados” é um prato cheio para fãs e um desafio para qualquer que não tenha se aventurado por águas mais tranquilas da filmografia de Tarantino.
Melhor Cena: Samuel L. Jackson revelando quem é e desvendando todos à sua volta.
4 | django livre
Criar personagens icônicos para Tarantino nunca foi um problema, mas fazer com que nos importássemos com eles também nunca foi o seu forte. Por isso, Django deveria ter um lugar especial nesta extensa galeria.
Não que seja difícil simpatizar com um homem que, ex-escravo, tem de matar um número de racistas para libertar sua amada esposa, mas é o arco vivido pelo personagem de Jamie Foxx que o tornam um ser tão complexo: ele não é um herói e não quer ser visto como tal, pois mesmo que suas atitudes o transformem em tal, suas virtudes não são exatamente nobres. Tudo que ele sempre quis foi a liberdade e a paz, mesmo que o único jeito que conheça para isso seja aquele o qual foi criado para conhecer: a violência.
Um exemplo sublime de construção de personagem e uma crítica ácida sobre o racismo social e institucional, “Django Live” ainda diverte ao contar uma história de vingança gratificante de forma vertical, entregando algumas das cenas mais intensas da filmografia de Tarantino no processo.
Melhor Cena: Leonardo DiCaprio cortando sua mão de verdade e Django cavalgando de volta à fazenda.
3 | Bastardos inglórios
Assim como seu primo espiritual (“Django Livre”), “Bastardos Inglórios” nos vence ao colocar como vilões o grupo de pessoas mais odiado da humanidade. Poucas coisas podem ser mais gratificantes no cinema do que ver nazistas sendo aniquilados, por mais sádico, imoral e inglório que isso possa soar, mas é assim que todos se sentem, não adianta negar.
Ao subverter um gênero tão delicado como o da guerra, Tarantino, ignora as muitas facetas emocionais e sociais envolvidas na maioria destes projetos ao focar em como a mesma se auto destrói por provocar tamanha dor e trauma em suas vítimas que automaticamente cria inimigos por todos os lados. Adotando, também, a ideia de que se não se pode salvar aqueles por quem você se importa, você ao menos pode vingá-los, não há nada neste filme que vá tocar seu coração, pois assim como a guerra deveria ser realmente mostrada, não há nada de bonito ou reflexivo no ato de matar pessoas que não concordam com você.
É genial que Tarantino consiga comunicar isso em um filme tão violento, onde personagens importam menos que ideologias. É genial, também, como o cinema acaba servindo de salvação não apenas para a já icônica Shoshanna, como para o plano dos próprios bastardos, como que falando que o cinema e a cultura podem ser a resposta para as maiores desavenças da humanidade. Afinal, é nisto que Tarantino realmente acredita.
Melhor Cena: Os primeiros quinze e os últimos dois minutos.
2 | Cães de Aluguel
Frequentemente esquecido pela grande maioria dos fãs que prefere seus projetos mais tragáveis, “Cães de Aluguel” apresentou ao mundo o potencial do cineasta mais influente dos anos 90. Ali, sem um orçamento gigantesco, sem respaldo da indústria, sem grandes nomes em seu elenco, sem filmar nem ao menos o assalto em um filme sobre um assalto, o talento bruto de Tarantino era mostrado em todo seu vigor.
A violência, os extensos diálogos e referências à cultura popular já estavam ali, assim como sua maestria por trás das câmeras em criar composições evidentemente mais econômicas que cenários de guerra ou campos escravagistas, mas além disso, é o roteiro que transforma sua estreia em uma de suas maiores obras, trazendo a tona a barbárie do comportamento humano quando puxado à situações extremas.
Divertido e envolvente, “Cães de Aluguel” é, mesmo sem um festim de tiros, espadas e jatos de sangue, seu filme mais violento e, acima de tudo, um estudo da complexa psicologia humana e dos valores que tornam até mesmo os piores dos bandidos em criaturas respeitáveis.
Melhor Cena: Um grupo de amigos discutindo, amigavelmente, as condições trabalhistas das garçonetes no país.
1 - Pulp Fiction
Por mais óbvio, cliché e protocolar que seja, qualquer lista sobre a filmografia de Tarantino que não traga “Pulp Fiction” em primeiro lugar deve ser, imediatamente, desacreditada.
Um dos filmes que ajudou a moldar o pós-modernismo no cinema, sua Magnum Opus é tão disforme como o gênero de revistas que traz em seu título, contando diversas histórias que se conectam em partes e que, individualmente, parecem não ir a lugar nenhum. Quase como retratando a frivolidade da vida e o niilismo por trás de pequenos acontecimentos que parecem não ter importância alguma frente à marcha do tempo, é um filme que celebra o acaso, o agora, a discussão sobre um hambúrguer, a dança que, sem palavras, fala mais do que o que precisávamos saber sobre aqueles personagens.
Existindo apenas em um mundo pós-cinema, é um show interminável de referências e que, curiosamente, se tornou parte central nesta estética que popularizou, se tornando um dos projetos mais referenciados e influentes de toda uma década, gerando clones imediatos e provocando um impacto duradouro na cultura popular.
E “Pulp Fiction” consegue tudo isso soando menos ambicioso do que qualquer outro filme do cineasta, quase como ignorando o próprio sucesso que parecia tão certo que iria conseguir. Aqui Tarantino foi genial em uma escala que não conseguiria repetir nem por sua causa, mas por conta do que este filme se tornou. Indiscutivelmente, um dos maiores da história do cinema.