Crítica | Looper

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É impossível que, em um filme sobre viagem no tempo, você consiga manter o raciocínio lógico e continue apreciando a história, afinal, a implausibilidade de tal feito vai além da ciência, entrando quase no campo da fantasia.

Esta, inclusive, que está presente de forma leve e sútil em “Looper”, obra subestimada do surpreendente Rian Johnson. Nela, um hit-man no ano de 2044 é encarregado de eliminar vítimas trazidas por viagem no tempo do futuro para que seus corpos não possam ser rastreados, porém tem sua vida conturbada no momento em que tem de matar a si mesmo mais velho.

Com uma história claramente inspirada em filmes como “Exterminador do Futuro”, “12 Macacos” e o espanhol “Crimes Temporais” e uma estética advinda de obras como “Blade Runner” e “Akira”, “Looper” tem, apenas em sua premissa, uma atração infalível para fãs de ficção científica e em seu elenco um atrativo, também infalível, para fãs de ação. Se engana, no entanto, quem pensa, assim como eu pensava, que este é um filme que possa ser mensurado apenas por expectativas óbvias.

Pois é exatamente ao se afastar tanto da ação, como da ficção, que Rian Johnson, roteirista e diretor, consegue transformar desta uma das obras mais imersivas e interessantes envolvendo suas temáticas já tão abordadas. Ao iniciar o filme com uma narração cansada e sem vida de um homem que claramente sabe o que irá lhe acontecer, Johnson nos conta o que precisamos saber para aceitar, como em tantos outros filmes envolvendo viagens no tempo, a ideia básica do roteiro e, a partir dali, prossegue em criar tanto um retrato reflexivo sobre o futuro da humanidade, como um estudo de personagem inteligentemente atemporal. Além, é claro, de desenhar uma história magnética desde a primeira cena, apostando em chocar o espectador com um ato de violência bruto que dita não os valores morais do filme, mas àqueles os quais utilizaria como estudo.

Em cima disso, Joseph Gordon-Levitt dá vida ao herói neo-noir perfeito para o mundo que habita. Introspectivo e calculista, mas sem deixar de procurar o amor que lhe fora negado por conta de traumas da infância, Joe (“Blade Runner: 2049” se passa apenas cinco anos a frente, certo?) possui um arco sensacional, que vai desde sua conformidade como uma engrenagem em um sistema moralmente corrompido, à relutância em abraçar seu futuro à humanidade que descobre em si mesmo ao fazer escolhas que julga serem corretas. Sua complexidade é completada por seu eu futuro, interpretado de forma emotiva e impactante por Bruce Willis, que além de servir como o loop técnico de Joe estica seu arco até um ponto onde o mesmo, tão desprendido do sistema, quase faz com que o mesmo continue funcionando. E se Emily Blunt por si só entrega uma performance na medida certa entre a força e a fragilidade de seu papel como mãe solteira - novamente a atemporalidade -, o jovem Pierce Gagnon rouba a cena com uma performance energética e carismática, transmitindo toda a excessiva maturidade e confusão de seu personagem como poucas crianças, na história do cinema, seriam capazes.

E Johnson é extremamente hábil em extrair o melhor das interpretações, ao optar por uma mistura calculada de planos fechados e conjuntos que enfatiza a semelhança e imersão de ambos os atores. Também é preciso destacar o fenomenal trabalho de maquiagem que transforma Levitt na versão mais plausível de um jovem Bruce Willis desde o mesmo, anos atrás. E se a construção de mundo é substancial e vibrante, à experienciamos por movimentos sutis das câmeras, que mostram os pequenos detalhes que compõem este mundo avançado. Interruptores, aparelhos eletrônicos, armas, veículos, todos consideravelmente futurísticos, mas entrando e saindo de cena com tamanha naturalidade que aquele mundo nunca parece estrangeiro. Nos poucos planos abertos vemos as mais belas tomadas do filme que deveriam (e ainda devem) se tornar icônicas no futuro e, ainda por cima, destacam uma semelhança intrigante sobre seus cenários distintos: desde o vasto e vazio horizonte presente na união dos campos de milho e do céu azul, às povoadas vistas de cidades como Shangai no futuro, que não deixam de ser vazias por conta da falta de humanidade que já permeia aquele mundo e que podemos ver tanto pelas ações dos personagens principais como no simples olhar de uma jovem que, entediada com o sentimentalismo de Joe, dá uma rápida olhada para o relógio para avaliar quanto tempo ainda tem de gastar ali.

Ao entregar pequenas pistas e trazê-las de volta como elementos importantes no futuro, Johnson amarra o roteiro da melhor forma possível ao nunca deixar claro o que vai acontecer a seguir, mesmo sugerindo as mais diversas possibilidades e trabalhando com diferentes linhas de tempo e diferentes pontos de vista sobre os mesmos acontecimentos. Por isso, quando um dos detalhes mais inventivos do filme se estica ao ponto da fantasia, o impacto deste momento - e a magistral construção da cena - são sentidos sem a sensação de trapaça, presente em filmes como “O Grande Truque”, de Nolan, por exemplo. E o fato de o silêncio ser tão bem utilizado como os bem escritos e professados diálogos apenas enriquece o realismo que “Looper” nunca desiste de tentar passar, se provando um filme que acredita em si mesmo sem nunca se tornar auto-indulgente.

Porém, como comentado antes, a viagem no tempo é algo implausível e é preciso relevar este aspecto para aproveitar completamente a história, por mais que o próprio Johnson, por meio de seus personagens, brinque com os muitos problemas envolvendo a mesma. Ainda assim, apesar de alguns cortes apressados e não condizentes com o ritmo de cada cena, a única coisa que realmente impede “Looper” de ser ainda melhor é o fato de Johnson não conseguir emular a tensão tão necessária para esse gênero da melhor forma possível, pois apesar de prender sua atenção, raramente suas emoções são testadas ao limite.

Contendo um final levemente ambíguo e que faz jus à tudo que assistimos, “Looper” é facilmente uma das melhores ficções científicas de nosso tempo, justamente por utilizá-lo como pano de fundo para aquilo que este gênero mais tem de fazer: estudar a condição humana em toda sua complexidade.

Afinal, o futuro nada mais é o que estamos construindo agora, e se não mudarmos nossas próprias convicções, a própria humanidade viverá em um loop eterno.

9

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