Crítica | Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1

Para Tom Cruise a missão é salvar o cinema

Mais uma vez, o ator se torna protagonista de um processo de produção e de um filme que representam a maneira como ele enxerga a indústria que trabalha


Já é tradição: quando um novo capítulo de “Missão: Impossível” vai ser lançado dezenas de matérias inundam as redes sociais sobre as mais novas peripécias de Tom Cruise. O fato de ele não acreditar em dublês e fazer um uso moderado de efeitos computadorizados segue sendo a principal peça de promoção para seus filmes. Em um momento que Hollywood parece incapaz de fazer filmes divertidos e sem CGI, o mega astro de ação se sente responsável por dar sua opinião sobre o mundo que vive e não faz isso em entrevistas, faz isso contando histórias. O ator é genuinamente apaixonado por criar as maiores e mais espalhafatosas cenas que o cinema de hoje é capaz de projetar.

“Acerto de Contas Parte 1” é, além de muito divertido, representante da visão de mundo de Tom Cruise. Enquanto o mundo todo corre atrás da inteligência artificial que pode moldar o destino da humanidade é ele (sob o pseudônimo de Ethan Hunt) a pessoa capaz de compreender que controlar a tecnologia não diminui o risco que ela representa. E se tem um emprego correto para palavra ação é a maneira como o filme demonstra esse ponto de vista: 160 minutos de números quase ininterruptos, sejam lutas, perseguições, a boa e velha operação disfarçada dos agentes do IMF ou fugas organizadas na tela em uma quantidade que nenhum outro capítulo da franquia demonstrou.

A trama gira em torno de uma chave de duas partes que os personagens nem sabem o que abre, mas sabem que é o segredo para controlar a Inteligência artificial chamada de a Entidade, capaz de invadir qualquer sistema do mundo. Personagens novos e antigos se envolvem em esquemas e planos para obter as duas partes dessa chave, alguns com objetivos comerciais e outros militares. O roteiro todo gira em torno de números de ação, bem explicados e separados, há poucos minutos para respirar entre cada uma delas e a maior parte dos diálogos expositivos acontecem durante as cenas mais tensas. Se o antagonista tem poder de manipular toda humanidade mexendo arquivos e notícias, os protagonistas precisam fazer escolhas: Hunt escolhe fazer o que acredita contra a vontade do seu governo (para variar) e também escolhe desafiar a inteligência da Entidade, e ainda a nova Grace (Hayley Atwell) encara a possibilidade de se comprometer a viver sua como uma da IMF.

Além da personagem de Atwell, que funciona como interesse amoroso e extensão dos temas do protagonista, há também um novo vilão, interpretado por Esai Morales, que nos ajuda a descobrir um pouco sobre a vida de Ethan Hunt pré “Missão: Impossível”. Os dois personagem contribuem para a ideia proposta de que fazer o que os personagens fazem é uma escolha, a de lutar pelo que acreditam, mesmo que isso pareça impossível. E felizmente os dois ocupam muito bem a tela e demonstram muita química com Tom Cruise. O retorno de Kitwell (Henry Czerny), sumido desde o primeiro filme da franquia, e de Ilsa Faust (Rebecca Ferguson) são as peças que colocam o personagem de Cruise em movimento, um representando o sistema que o protagonista é parte conflitante e a outra a ambiguidade da vida que Hunt poderia ter como agente solitário.

Mas claro, o destaque é a tensão em ver cada uma das sequências construídas, seja em um submarino russo prestes a entrar em conflito na abertura da produção, na tradicional cena de espionagem, em que o raciocínio dos personagens é mais importante que suas habilidades físicas, que acontece em um aeroporto ou quando Hunt precisa pular de um precipício com uma moto. A explicação do que deve acontecer em cada cena contra o que a gente vê acontecendo é construída de maneira meticulosa para mexer com nossas sensações a cada minuto. São imensas sequências com uma escala interna impressionante, e que geram grandes momentos visuais, como o final da sequência no aeroporto que termina com Tom Cruise correndo frente ao pôr do sol em cima de um imenso aeroporto.

O que Tom Cruise quer nos contar é que ele fez uma escolha. A sua missão de salvar o cinema escapista e divertido, feito por pessoas e não por computadores, é algo que ele escolhe todos dias e têm usado seus filmes para mostrar isso. Sejam as tramas, sejam os diálogos e, mais importante, as imensas sequências de ação em que esses conflitos são vistos, entre o mundo que ele acredita e o mundo que ele enxerga, a ponto de a produção construir um trem apenas para explodi-lo, na melhor sequência do filme.

Se eu concordo com a maneira como Tom Cruise vê o mundo? Muito pouco, mas acredito, assim como ele, em um cinema que dá a sua opinião sobre sua própria realidade de maneira honesta, sem performatividade, sem ironia, com muita contradição (aquilo que Cruise critica é o que possibilita ele ter 290 milhões de dólares para explodir pontes e pular de precipícios) e, principalmente, dando as 3 horas de cinema mais divertidas do ano até agora.

8.5

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